" />

abril 30, 2007

Brandade

O bacalhau à Conde da Guarda, de mestre João Ribeiro, é uma versão refinada de uma "brandade", uma coisa tradicional de preparação de bacalhau, à maneira da Provença. Esta descrição da preparação da brandade é tirada de Escoffier, "Le guide culinaire", com uns toques da minha experiência muito frequente de fazer brandades, coisa de que gosto muito. O bacalhau cozido (escaldado, diria eu), cerca de 1 kg, é desfeito em lascas muito pequenas. Azeite virgem a aquecer muito bem a começar a fumegar, cerca de 2 dl. Depois, juntar um dente de alho esmagado e misturar tudo muito bem, a lume baixo, a dar ginástica ao braço, até estar bem ligado em pasta. E é mesmo a mão! Nem pensem em usar batedeiras ou varinhas!

Retira-se do lume e continua-se a mexer bem, incorporando mais azeite, virgem extra (cerca de 5 dl), aos poucos, alternando com leite fervido (à moderna, natas). A consistência final é a de um puré de batata. No fim, rectifica-se o tempero de sal e pimenta. Nada mais simples, embora se possa complicar um pouco. Por exemplo, pode-se levar ao forno a dourar ligeiramente, ou incluir elementos diversos de decoração (fatias pequenas de pão frito, eventualmente de alho, salsa picada, rodelas de ovo cozido ou de tomate assado, etc.).

Por razões óbvias, só não insisto numa decoração proposta por Escoffier: trufas!

Nota - não sei se repararam que uso dois azeites e qual o nome, oficial, que lhes dou. O azeite virgem tem acidez entre 1 e 2 %. Gosto dele para fritar e para a confecção de base, por ter sabor um pouco mais intenso. Para cru, saladas e fim de pratos, uso azeite virgem extra, que se define por acidez inferior a 1% de ácido oleico. O que não existe, oficialmente, é um azeite de que tanto leio, o extra-virgem. É a falta de rigor, à nossa moda.

abril 27, 2007

Bacalhau à Conde da Guarda

Há tempos, escrevi sobre mestre João Ribeiro e lembrei o seu emblemático Bacalhau à Conde da Guarda. Está longe de ser um prato da moda, é de um classicismo flagrante, embora com o aspecto curioso de conjugar isso com uma grande simplicidade (mas como se as coisas fossem incompatíveis). No fundo, tem a simplicidade de uma "brandade" (voltarei a isto) e o requinte da nata. Aqui fica a receita, com a devida vénia aos compiladores do livro que referi nesse apontamento.
“250 g de batatas, 350 g de bacalhau, 3 dI e meio de natas e 2 colheres de manteiga.
Coze-se o bacalhau e as batatas e escorrem-se, passando estas pelo peneiro. Escolhe-se o bacalhau de peles e espinhas e pisa-se num almofariz juntamente com os alhos. Retira-se este preparo do almofariz e deita-se numa caçarola. Leva-se ao lume, juntam-se-Ihe a manteiga e a batata e liga-se bem. Adicionam-se-lhe as natas, a pouco e pouco, mexendo sempre com colher de pau até que a massa esteja bem lisa. Tempera-se com sal, pimenta e noz-moscada. Unta-se com manteiga um prato de ir ao forno, deita-se-Ihe o conjunto dentro, alisa-se e polvilha-se com o queijo. Salpica-se com manteiga derretida e leva-se ao forno a corar.”
Querem coisa mais simples? No entanto, deve-se ter em conta que isto é de um tempo em que os cozinheiros escreviam receitas só quase como um apontamento para si próprios, sem especificarem muita coisa técnica. Por isto, quando o faço, tenho em conta algumas coisas que creio que não atraiçoam o mestre.

Não cozo o bacalhau, escaldo-o, com a pele para baixo, em água a ferver apagando logo o lume e deixando abafar durante 7 minutos a partir do último momento de fervura. Depois, incubo-o durante 20-30 minutos coberto com leite quente. Ao puré, diluídas nas natas, acrescento duas gemas de ovo em sumo de meio limão. Pimenta, para mim, é metade branca e metade preta, moídas a fresco.

Onde atraiçoo mesmo o mestre é em não usar queijo ralado para o gratinado, por não ser coisa da minha predilecção. O meu gratinado é de nata, manteiga derretida e gema de ovo, misturadas.

Modernistas que odeiam o clássico, façam lá um sacrifício anual e, no dia 23 de Junho, seu aniversário, comam este bacalhau em sua honra. Eu até junto o útil ao agradável, por ser o meu aniversário de casamento.

abril 25, 2007

De vez em quando, uma receita

Alguns terão reparado que apaguei, hoje, uma entrada, de hoje. É coisa complicada, a gestão de um projecto gastronómico, a exigir alguma reserva, porque o segredo é a alma do negócio. Eram duas receitas, uma muito clássica, daquelas para as quais já não há disposição, de horas e horas de cozinha mas que, desculpem a vaidade, resultou excelentemente. Ou apanharam na altura ou já não a encontram. A outra é mais banal, a fazer brincadeira, contrapondo o clássico a um prato mais "à moderna", uns supremos de galinha do campo barrados com crocante de queijo fresco, sobre picado de nabiças a derramar de tomates confitados

Eleven

No Fugas (Público) de 7.4.2007, David Lopes Ramos escreveu uma critica ao Eleven com que concordo quase a 100%.
"Como fui fazendo refeições no Eleven durante os seus três anos de vida, posso concluir que, encarado em todas as suas facetas, o restaurante é, actualmente, o melhor de Lisboa."
É só aqui que manifesto uma pequena discordância. Não vou tão longe e até ficaria desgostoso se houvesse "o" melhor restaurante de Lisboa, a limitar-me a escolha. Entre o Eleven, o Valle Flor e a fortaleza do Guincho, venha S. Pantagruel e escolha.

A seguir, diz DLR uma coisa importantíssima, para que chamo a atenção dos meus leitores que não se deixam deslumbrar com algumas "criatividades":
"A cozinha de Koerper é criativa, bem apresentada, dando de comer aos olhos e ao olfacto, antes de satisfazer as papilas. Embora elaborada, não é uma cozinha barroca. Koerper sabe que mais de três/quatro ingredientes em cada criação culinária podem distrair o paladar do principal, que é a harmonia do cozinhado."
Barroco, bem dito, é hoje estilo na moda, na cozinha de autor. Há quem goste mais de Bernini do que de Miguel Ângelo, eu não.

abril 23, 2007

Terminologia de receitas

Como sabemos, a atitude de defesa do consumidor é das coisas importantes da nossa cidadania, nos dias que passam. Coisa importante, entre outras, é a rotulagem dos produtos. O rótulo tem de ser legível, claro, honesto.

O que é o rótulo numa receita culinária? Começa por ser o título. É disto que vou falar, servindo-me do exemplo de um chefe que até não conheço, Luís Rodrigues, que agora publica as suas criações no Expresso.

Na edição de 14 de Abril, começava por uma terrine (já agora, em português de bom cozinheiro, não há quem não diga terrina – e, restaurantes, por favor, não digam paté, que é envolvido em massa!), com tártaro de pêra. Tártaro é hoje designação um pouco abandalhada mas, em geral, quem escolhe um tártaro sabe que vai comer uma preparação crua, geralmente um pouco acidificada (a mistura da ideia do bife tártaro com o molho tártaro). Neste caso, nada disto, apenas peras cozidas em moscatel e especiarias, cortadas aos cubos. Tártaro? Já agora, ucraniano ou tchetcheno.

Viro a página e vejo uma receita de garoupa com crembel de limão (que a receita não diz como se prepara). Com esta é que me passei, ao pensar como sou ignorante de cozinha. Só depois de muito esforço e de olhar para a fotografia é que decifrei. Crembel é pura e simplesmente "crumble", aquele clássico crocante inglês (à velha maneira dos crocantes, hoje também nome que dá para tudo, com base em manteiga, farinha e açúcar, incorporando frutas). Ao menos que escrevesse cramble em vez de crembel, mostrava que sabia pronunciar inglês!

E continua. Na receita de carne, um lombinho de porco sobre couve portuguesa fumada. Fiquei alerta: couve fumada, que é isto?, é capaz de ser muito bom. Afinal, na receita, é apenas couve "brinjida" (ele precisa de ir à escola, porque em português se escreve bringida). O que é que isto tem a ver com fumado? Fiquei a pensar, sem adivinhar, até dica de um amigo: será a ideia do "fumet", um caldo de peixe de cocção prolongada, portanto, de certa forma (?), bringido?

Para acabar, vem um "jus de tomilho". Tolice. Segundo a receita, é demi-glace aromatizada com tomilho, no fim. Claro que ele não ensina a fazer uma demi-glace, coisa nada fácil e com muitas variantes (vem no meu livro). Mas é assim que se vendem receitas para jornais. O problema é que, enquanto houver gente inocente a alimentar coisas destas ou quem sabe a não ensinar, não há defesa do consumidor que valha.

abril 20, 2007

Esparregado de golfista

Estava a escrever uma receita, acerca de um esparregado, e cito:
Escaldar as folhas de espinafres, sem talos, em água a ferver, durante 1 minuto e escorrê-las. Cozê-las, 8 minutos, em nova água já fervente, com sal e com uma batata inteira, que se rejeita no fim.
Esquisitice? Não, apenas boa técnica. O que é melhor, imaginação mais ou menos delirante ou saber como fazer? Claro que ambas as coisas. Infelizmente, por razões bizarras, não posso dar ideia aqui da imaginação (isso é para a criatividade de cada um, não para autores de blogues, da mesma forma como ninguém ensina um poeta), mas sempre vou insistindo em que a imaginação vale relativamente pouco sem a técnica. Para quê cozer em duas águas? Para quê essa coisa esquisita da batata? Desafio os leitores a um exercício de brincadeira, e a verem a diferença.

Lembrei-me agora de uma coisa parva. Como acabei de vir de um treino de golfe e de me deliciar a ver uma bola a fazer o arco mais bonito pelo ar, lembrei-me de que a cozinha também é isto, o pequeno toque de capacidade pessoal que se junta à técnica. Diz isto quem sabe que o golfe é o único desporto que se joga até aos 80, porque é técnica e não força, porque o corpo obedece, não manda. Também as papilas obedecem, não mandam.

Já agora, também vou completar a receita do esparregado, à minha maneira. Depois de cozida a hortaliça (falei de espinafres, mas o melhor é de nabiças, com o seu toque ácido), escorre-se bem. Aquece-se azeite virgem, de 1,5º (estes 1,5º são críticos, para mim, para cozinhar, menos só para temperar a cru) e, quando se cheira que começa a evaporar, junta-se 3-4 dentes de alho pisados, com a pele interior rosada. Volteia-se muito rapidamente, durante cerca de meio minuto a lume médio-baixo e remove-se o alho. Aumenta-se o lume e junta-se a hortaliça muito bem escorrida e picada grosso, volteia-se bem e, 1 minuto depois, acrescenta-se a pasta de esparregado, já preparada: 1 cs de farinha de trigo, 1 c. café de farinha de milho, 2 cs de queijo fresco de cabra muito bem esmagado, 2 cs de nata. Aquecer a lume médio, mexendo sempre, até boa consistência e mistura homogénea (cerca de 2-3 minutos, conforme o lume). No fim, pimenta preta quanto baste, moída a fresco, e um ligeiro toque de noz moscada.

abril 18, 2007

Coelho de condescendência

Esta nota é do mais gastronomicamente incorrecto, previno! A propósito de isto se relacionar com caça, lembro que quem não tem cão caça com gato. E também que os condimentos, ervas e especiarias, hoje detestados pelos criadores na moda, ainda valem.

Se há coisa de que eu gosto é de lebre ou, na falta, de coelho bravo. Se há coisa que eu deteste é coelho manso. O problema é que a minha mulher gosta muito do bichinho adocicado e não há boa vida de família que não passe por negociações inteligentes e amistosas. A receita que se segue é a que ela ainda ontem fez, combinada comigo. Claro que não tem qualquer requinte, é rústica, não precisa de boa técnica, é só para me permitir comer o bicho, que fica a parecer-se com caça, embora muito distantemente. Por isto, creio que dispensa identificação de grandes truques.
1 coelho, óleo q. b., 4 cs de banha, 1 cebola grande, 1 c. sobremesa de massa de pimentão, 1 c. sobremesa de massa de malagueta. Marinada. 2 dl de vinho tinto, 1 cebola às rodelas, 4 dentes de alho pisados, 1 cenoura às rodelas finas, 80 g de bacon em cubos pequenos, 1 raminho de salsa, 1 folha de louro, tomilho, alecrim (outras vezes salva, outras ainda segurelha), sal grosso, 8 grãos de pimenta preta, 3 cravinhos, 4 grãos de zimbro (quando há, é difícil de obter).
Preparar a marinada e deixar 3 dias o coelho no frigorífico, regando frequentemente com a marinada. Preparar uma pasta com a banha, a massa de pimentão e a malagueta e esfregar bem o detestável bicho (gato é mais altaneiramente selvagem e talvez mais saboroso, hei-de experimentar quando morrer o meu Peúgas). Untar uma assadeira com óleo, colocar o coelho e acrescentar a cebola, cortada aos oitavos, bem espalhada à volta do coelho. Levar ao forno pré-aquecido, a 210º, até as gorduras estarem todas derretidas e o coelho começar a alourar (cerca de 15 minutos). Ferver a marinada a reduzir um pouco, numa caneca de fundo pequeno (as reduções devem fazer-se sempre em pequena superfície, para não secar demais), coar e juntar ao assado, baixando o forno para 190º. Misturar com frequência o molho e regar o coelho. Ir acrescentando, se necessário, golos de água, misturando com o molho, para ele não ficar só gordura.

Na época da batatinha nova, assar juntamente batatas muito pequenas, com casca. Fora de época, usar batatas aos gomos, segundo o comprimento, como para as batatas assadas à padeiro.

Por precaução, para não me acusarem de falta de imaginação, fui aos meus variados livros ver se não haveria coisa igual. Igual não, mas descobri na "Cozinha Tradicional Portuguesa", de Maria de Lourdes Modesto, uma coisa com alguma parecença (destaco o uso de alecrim, coisa invulgar entre nós), o coelho transmontano à moda de Ranhados. Já escrevi que, na cozinha, "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", à Lavoisier.

Nota - as especiarias estão hoje na mó de baixo, mas foram essenciais e penetraram o nosso gosto gastronómico, por séculos. Porquê a forte condimentação da cozinha indiana? Apenas porque o sal era precioso, de custo elevadom e monopólio colonial (lembrem-se da célebre marcha de Gandhi). Porquê o seu uso por toda a Europa, para riqueza do nosso D. Manuel, o rei da pimenta? Para disfarçarem o inevitável semi-apodrecimento dos alimentos. Porquê ainda o seu uso largo nas cozinhas açorianas? Por uma coisa chamada a volta do largo, das naus da carreira das Índias.

abril 16, 2007

Livro de receitas, imperdível


Queriam ter isto! É o mais velho livro de receitas da história e está na biblioteca da Universidade de Yale. Não era muito prático, ocupava muito espaço na cozinha, este pedregulho todo talhado em escrita cuneiforme.

Tenho lá uma jovem amiga, post-doc, e, transitoriamente, o seu pai, meu grande amigo, gastrónomo de primeira, que a foi visitar em férias de Páscoa. Simplesmente, gastrónomo não é a sua profissão, o que ele é é historiador e arqueólogo, especialista no crescente fértil. Ele disse-me que só consegue ler aquilo com algum esforço, principalmente por haver referência a ingredientes e condimentos que não lhe dizem nada. O que é certo é que já reservou banquinho defronte da pedra.

Nota – Espero que o meu amigo me desculpe a brincadeira...

abril 13, 2007

Arroz à banda

"El país valencià" é o reino do arroz ibérico. Claro que, emblemática, é a paella, mas muitas outras coisas excelentes há. Hesitei muito na escolha de um prato da cozinha de arroz valenciana, de entre os fornecidos por um bom amigo valenciano e grande gastrónomo. Decido-me por uma pouco conhecida, pela razão muito simples de que, quando me apetece fazer um arroz de peixe, acabo sempre por escolher este arroz à banda. À banda porque não há mistura, ao contrário da paella e de outros pratos valencianos de arroz.

Transcrevo a receita indicada num livro imprescindível a quem gosta de cozinha espanhola, o de Carmen de Sans. Para ficar bom, siga bem a receita, apesar de trabalhosa. Mas vale bem as duas ou três horas de confecção, mais o tempo de boa escolha dos peixes no mercado.
1 kg de peixes frescos variados (pescada, mero, corvina, garoupa), 1 kg de mariscos variados (camarão, mexilhão ou amêijoas), 1/2 kg de peixes pequenos (carapaus ou sardinhas), 500 g de arroz carolino (se não conseguir os valencianos, Senia, Bahía e Bomba, os reconhecidos oficialmente), 3 dl de azeite, 1 cebola grande, 1 cabeça de alho, 1 tomate bem maduro, 1 cs de massa de pimentão, açafrão a gosto, 6 grãos de pimenta branca, 1 folha de louro, um raminho de tomilho, sal.
Fazer um caldo de peixe abundante com os peixes pequenos e as cabeças dos outros, só com sal e pimenta branca, um raminho de salsa, sem mais temperos. Coar e reservar. Deitar numa panela 1 dl de azeite, aquecer e refogar a cebola em rodelas finas. Cobrir com os peixes e mariscos, primeiro os peixes mais duros e, sete minutos depois, os mais brandos, por cima. Juntar o sal, a pimenta, o louro e o tomilho e regar com caldo de peixe, a cobrir tudo. Cozer durante 15 a 20 minutos, sem deixar desfazer o peixe, que se retira e se mantém quente. Noutra panela, aquecer o azeite restante e alourar o alho pisado, que se retira antes de queimar, a seguir o tomate picado grosso, o sal e a pimenta, a massa de pimentão e o açafrão. Açafrão, claro que o espanhol, muito bem substituído pela açaflor açoriana, mas nunca pelo açafrão indiano, o pó das sementes. Salteia-se o arroz, até translúcido, rega-se com a quantidade de caldo para ficar seco no fim da cozedura (cerca de 1,5 vezes a quantidade de arroz) e deixa-se cozer, tapado, a lume a tender para o alto, mas controlando a cozedura do arroz. Leva-se ao forno, numa caçarola, sem mais nada, a dourar. Os peixes, aos bocados, são servidos separadamente (daí o nome de arroz à banda), acompanhados por molho “salmorreta”.

Para a “salmorreta”: picar 3 dentes de alho esmagados e misturar com um tomate assado e pisado, salsa picada, 1 cs de vinagre, sal e pimenta e caldo de peixe para mistura não muito diluída. Cozer durante 5 minutos. No prato, tempera-se o arroz com este molho, antes de servir os peixes por cima.

Quando servirem isto, coisa magnífica, não se esqueçam de uma saúde a "um tal Pepe, que não sei quem é, um bom amigo do João".

abril 11, 2007

Risoto

Em nota anterior, prometi falar do risoto. Como todos sabem, está na moda e, como geralmente acontece nestes casos, tenho comido de tudo. Começa por ter de se saber fazer diferentemente o risoto tipo sopa, obviamente bastante aguado, o risoto entrada, tipicamente milanês e que, dito à portuguesa, é bem malandro, e o risoto de acompanhamento, um pouco mais seco mas sempre aguado-cremoso.

Por tudo isto, e ainda por cima com os condicionalismos postos pela textura e tempo de cozedura do que acrescentamos a um risoto, não pode haver uma receita única. Eu gosto muito de risotos, como de qualquer prato de arroz, e trabalho-os muito, mas normalmente tendo como base a receita elementar que vou reproduzir, de Giuliano Bugialli, "Le Goût de l'Italie", Flammarion, 1985. Os conhecedores sabem que Bugialli, mais do que cozinheiro, é provavelmente o maior professor de cozinha italiana, com os seus cursos célebres para grandes restaurantes americanos.

Antes do mais, o arroz. Há muitas variedades de arroz italiano dos vales piemonteses (“arborio”, “vialone”, “razza”, etc.), mas, entre nós, o que se encontra mais facilmente é o "arborio". No entanto, estas coisas têm que se lhes diga. Uma vez, desdobrei-me em dois cozinheiros, rivalizámos num risoto, "ele" com arborio, "eu" com carolino. A minha mulher julgou, exigente como é. Com muito controlo (isto é que não revelo!), olhem que "eu" não fiquei a perder muito significativamente (se dissesse que nada, seria desonesto). Volto a dizer que é isto que maior prazer me dá na cozinha, experimentar a sério (não tivesse eu sido investigador), não apenas fazer brilharetes de fogacho. Vamos então ao risoto básico, em quantidade para acompanhamento para 4 pessoas.
2 cs de manteiga, 2 chalotas (na falta, 1 cebola pequena e 2 dentes de alho), 250 g de arroz arbóreo 1 cálice de vinho generoso Porto ou Madeira branco seco), 7,5 dl de caldo de carne, aves ou peixe, conforme o uso do risoto, 2,5 dl de vinho branco, água de nascente, 1 toque de açafrão (espanhol ou açoriano, só em último caso o indiano).
Os líquidos, como em toda a boa cozinha, devem ser pré-aquecidos e mantidos quentes. Estalar na manteiga as chalotas picadas muito fino, até ficarem translúcidas mas não refogadas. Passar o arroz no refogado até ficar transparente, durante cerca de 4 minutos. Juntar o vinho generoso e deixar evaporar. Misturar o vinho branco e o caldo. Juntar aos poucos o líquido, deixando de cada vez o arroz embeber o líquido. A partir de metade, juntar o resto do líquido, temperado com o açafrão, a cobrir e deixar ferver em lume médio até o arroz estar cozido mas um pouco ao dente, com pouco líquido (cerca de 18 minutos, a partir do momento em que se juntou o caldo/vinho). A meio ou mesmo só depois!, voltear com o que se quer acrescentar. Se necessário, rectificar o tempero de sal e pimenta do caldo.

Nota - Espanha, também nunca esquecer, ao falar de arroz. O meu bom amigo P. M., professor catedrático e valenciano de gema, é especialista em tudo o que é arroz, mas muito para além da paella. O meu predilecto, ensinado por ele com todos os truques (também se faz sempre pagar bem, em troca de receitas portuguesas), é o arroz à banda. Estou certo de que ele não se importará que eu o divulgue, um dia destes.

abril 10, 2007

Jantar de Páscoa

Falei das almôndegas de peixe, esqueci-me da alcatra, porque já é obrigação que nem merece registo especial. Tenho é de deixar registado o que eu teria de ter cantado ao meu irmão, à foliões do Espírito Santo da Ilha de Jesus Cristo, se a minha voz não fosse o meu mais vergonhoso defeito.
"Ó mê nobre imperad[ih]or,
De coração tã prefeito,
Mandai vir alcatra ass[ih]ada,
Com sê molhinhe bâim feito".
(Obrigado pela dica, meu caro L., rabo torto dum corisco)

abril 09, 2007

Tamboril "requintado"

Tinha prometido uma receita "de requinte" de tamboril, bicho que é a negação do requinte. É só a brincar, claro. A brincadeira é a transformação de um prato de tasca numa receita de boa cozinha. Fiz e não saiu mal, como brincadeira, volto a dizer: LOMBOS DE TAMBORIL SOBRE CROCANTE DE PÃO DE LARANJA COM RISOTO DOS FÍGADOS. É claro que até ficava mal dar a receita, ainda por cima com os pormenores técnicos que cumpri. Vai só um resumo.

O tamboril foi cortado em tiras de lombos, com pele e marinado com um pouco de sumo de lima, depois frito a baixa temperatura em azeite anteriormente temperado com alho e louro. A fritura foi feita quase toda com a pele para baixo, que retirei no fim. Sal e pimenta, só no fim.

Entretanto, a cabeça e espinhas foram para "fumet", com o qual preparei um aveludado, temperado com um ligeiro toque de mistura de noz moscada e de canela. No fim, juntei uma juliana muito mas muito fina de casca de laranja com um pouco de casca de lima, fervidas 10 minutos em água com meio cálice de licor de aniz.

Os fígados ficaram a marinar em leite, com louro esmagado sem nervuras, pimenta preta, sal e cravinho. Os fígados foram bem secos em papel absorvente de cozinha, escaldados rapidamente só para poder tirar facilmente a pele, cortados em cubos pequenos e tostados no forno sobre tapete de silicone.

O pão rústico, sem côdea, foi barrado moderadamente com manteiga e cortado em cubos muito pequenos, depois regados ligeiarmente com sumo de laranja, sem amolecerem. Colocados sobre uma folha de alumínio, uma valente maçaricada, até estarem estaladiços mas não tostados.

Depois o risoto. Isto sim, vale descrição cuidada, porque está na moda, mas fica para próxima entrada. Quase no fim, juntei ao risoto os cubinhos de fígado.

Empratei muito simplesmente uma camada de crocante de pão coberta com lombos de tamboril, tudo regado à volta com o aveludado do "fumet" e, ao lado, o risoto. A dar graça, um raminho de salsa frisada.

Nota – Estou a violar uma das minhas regras essenciais, a de facultar sempre aos menos experientes todas as informações técnicas indispensáveis. Como este caso é de uma brincadeira, deixo o desafio aos leitores.

abril 07, 2007

Cozinha de Páscoa

Amanhã é dia de duas tradições culinárias bem diferentes, nenhuma a meu cargo, que descanso: o borrego assado da minha família alentejana por afinidade, obra-prima da minha mulher; e as empadas de peixe da minha família terceirense, sempre muito bem feitas por um dos meus irmãos.

Borrego assado. Fica óptimo, com a experiência transmitida de avó a neta, apesar de ser a mais "desenxabida" receita de borrego que já vi. Nada de especiarias, nem sequer pimenta, nada de vinho, nada de ervas, nem uma folha de louro. Nem parece alentejano. Minto, é de alentejano que sabe apreciar o simples sabor do bichinho.

Muito simplesmente, deixar de um dia para o outro um borrego (cerca de 2,5 kg) bem esfregado com pasta de 1 cs bem cheia de sal, 4 dentes de alho bem pisados, 2 cs de massa de pimentão. Untar com azeite uma assadeira grande ou o tabuleiro do forno, colocar o borrego coberto com lascas de banha (cerca de 3 cs no total) e regado com um fio de azeite (3 cs). À volta, 3 cebolas às rodelas finas. Forno primeiro a 210º, a seguir, durante quase todo o assado, a 190º. Depois, o grande segredo de qualquer assado. Uns golos de água, em quantidade certa e nos momentos certos. Quanto a isto, não há receita que valha, só a experiência e o dedo do artista (no caso, faço justiça, da artista).

Empadas de peixe. Vou dar uma receita simplificada. Quem a quiser em devidos termos, que compre o meu livro (já viram que eu não brinco em negócios, nem sequer em dia de Páscoa?...). A massa é, no essencial, uma massa quebrada, embora cada família se esmerasse na sua massa de empadas. A receita da família praiense da minha avó era considerada uma especialidade, embora eu veja hoje, tecnicamente (sempre a técnica!) como o segredo era bem simples.

O recheio, sem creme a ligar, é de pedaços pequenos de garoupa e de cherne, fritos e desmanchados em lascas grossas. Vão a cozer um pouco mais num molho feito de nozes muito bem pisadas, azeite, banha, cebola e alho picados, salsa picada e azeitonas descaroçadas, temperando com pimenta branca. O recheio vai só embrulhado neste molho líquido e as empadas são tapadas com massa e pinceladas com gema de ovo. Importante é um furo na tampa, onde se vai deitando mais molho, aos poucos. Estão a ver, outra vez a técnica, já no tempo da minha bisavó, que a passou à minha avó, etc.! Servem-se rodeadas com um fio do resto do molho e com uma salada simples, temperada só muito ligeiramente.

Nota – Ao falar da avó da minha mulher, a minha avó Palmira, falecida há poucos anos dias depois de fazer 100 anos, rendo homenagem a uma força da natureza. Não há agora almoço de festa em casa da minha sogra que não me lembre de ela, já bem almoçada, me chamar sempre para ao pé de si, já depois do café, para o nosso pós-almoço especial, pão, queijo de Serpa e um copo de tinto. A coisa mais adequada a um estômago de quase 100 anos! E sabedora do melhor toucinho do céu que se pode comer, felizmente passado à geração seguinte.

abril 02, 2007

Férias da Páscoa

Ando por cá, mas tirando uns dias de descanso da escrita. Sabe bem.

abril 01, 2007

O dia do Guincho

Como já devem saber, Vincent Farges vai receber no dia 10 de Abril no Guincho, com demonstrações de alta cozinha, 30 autores de blogues gastronómicos. Parece que vai haver uma sessão de teleconferência com Antoine Westermann. É provável que a lista já esteja esgotada, mas não perdem nada em tentar.

P. S. (19:45)- Claro, basta olhar para o calendário: 1 de Abril.