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fevereiro 27, 2007

Bom senso

Julgo que falta algum bom senso a muitos amadores que, legitimamente, fazem da sua culinária um hóbi a sério, mas com um "requinte" que os torna intolerantes ou então exigentes a um nível sem sentido, pelo menos para amadores.

Vou dar hoje um exemplo do que considero bom senso, sem violação de regras mínimas de bom gosto, e até recorrendo a experiência alheia, embora cúmplice. Já aqui disse que só como Camembert de leite cru, porque a pasteurização elimina alguns micro-organismos indispensáveis. Pasa-se o msmo com um Gorgonzola ou um Roquefort, ao contrário de um azul dinamarquês. No entanto, cá em casa, porque também pensamos nos euros, há uma excepção, em que posso poupar comprando um Camembert de leite pasteurizado (e a diferença de preço é considerável). Nos jantares de amigos, a minha mulher tem a responsabilidade das sobremesas e dos aperitivos. Um, sempre bem sucedido, é o Camembert gratinado, acompanhado com um generoso meio seco. Não é invenção nossa, ela aprendeu-a não sei com quem.

É coisa razoavelmente boa e simples, para "amuse bouche". Ao longo de todo o círculo superior do queijo, retira-se uma pequena camada da crosta. Leva-se o queijo ao micro-ondas, a amolecer consideravelmente, em pasta cremosa espessa e ligeiramente alourada (cuidado, no micro-ondas, com os grampos de metal que muitas caixas de queijo têm). Só experimentando, até acertar com o ponto certo. Serve-se com gressinos, que cada um usa para apanhar um bom bocado de queijo cremoso.

Volto ao que queria dizer. Isto faz sempre sucesso cá em casa mas desafio o meu amigo mais exigente a dizer-me se, depois deste tratamento "agressivo", eu lhe apresento isto feito com queijo de leite cru ou de leite pasteurizado. Est modus in rebus.

fevereiro 25, 2007

Contradições

Eu acho louvável que um amador cultive o gosto de, tanto quanto puder (e souber), ser um autor. no entanto, para mim, isso tem de ser coisa bem séria, assente em grande técnica, bom gosto e bom senso. Não há arte moderna e de vanguarda sem o domínio do classicismo. Depois, é muito diferente a situação do profissional, tipicamente num restaurante, e a do amador, tipicamente a conviver com amigos num bom jantar (a não ser quando é um solitário a gozar bem a sua vida, com requinte, situação todavia excepcional). Vou usar isto para alguns comentários sobre um componente da criatividade, a apresentação. Ela é importantíssima, muitas vezes extremamente surpreendente, num restaurante estrelado, a abrir logo as papilas (mas também, em muitos outros casos, é o que eu chamo de apresentação piramidal, a monte, que desmanchamos logo à primeira garfada).

Num restaurante, servem-me o prato individual. Vejo na net propostas amadoras com apresentação bonita, mas que exige, da mesma forma, que ela seja feita na cozinha. Isto obriga – e quantas vezes já o vi – a que o cozinheiro, admitamos que o dono da casa, num simples jantar de dois casais, se passeie quatro vezes entre a sala de jantar e a cozinha, a trazer pratos, um a um, como se fosse criado de mesa, só faltando o avental (ainda hei-de ver). Ainda por cima, exige um grande controlo da temperatura na hora dos vários componentes, o que nem sempre é fácil. Já comi coisas bonitas, complicadas, com variados ingredientes, em que o "chefe" se esqueceu de aquecer um. Nestas alturas, apetece-me o clássico "posso ir ajudar?", que faz descambar tudo em acampamento de escuteiros.

Claro que nunca faço isto aos meus amigos. Tenho de ser eu ou a minha mulher a trazer a refeição para a mesa, mas com o mínimo de tempo a deixar sozinhos os meus convidados, delicadeza elementar. Uma única deslocação à cozinha, ir e vir, é o ideal. Por tudo isto, tenho o maior cuidado com a clássica apresentação em travessa, quando muito com um outro recipiente que possa trazer ao mesmo tempo ou uma molheira. E que agradável é cada um sentir que se pode servir como quiser. Mas claro que uma apresentação em travessa tem regras diferentes da apresentação no prato.

Estão a ver que isto de modas tem muito que se lhe diga? Querem defender-se? Deixem o requinte para os grandes criadores e vão apreciá-lo aos seus restaurantes. Na prática, atendam a uma regra bem gerida, aquilo que já escrevi, em relação ao meu livro:
"Há ainda espaço para a minha situação, de um amador que se gaba de ser criativo, de cultivar a boa técnica culinária, de ser exigente com a qualidade e de ter bom gosto gastronómico (os quatro pés obrigatórios do banco em que se senta qualquer bom cozinheiro). Mas, [em relação ao livro] se cumpridas várias condições para um livro de cozinha diferente [ou, escrevo hoje, de uma prática diferente]: um livro que eduque, gastronomicamente; um livro que dê o exemplo de que, mesmo na cozinha do dia a dia, se pode ter bom gosto e criatividade; um livro que, não pretendendo ser um manual de uma escola profissional de cozinha, forneça as bases mínimas de uma boa técnica culinária; um livro adequado à vida prática de hoje, da maioria das pessoas, que podem gostar – e devem – de fazer um bom jantar de amigos, mas hoje inevitavelmente à custa do tão necessário relaxamento e repouso e, por isto, com uma cozinha de compromisso entre a simplicidade, a originalidade e a qualidade."
É isto que quero ter presente neste blogue.

fevereiro 24, 2007

Boa técnica e muito simples

Em geral, guardamos os enchidos, incluindo o presunto, no frigorífico, porque não nos podemos dar ao luxo de deixar prescrever o prazo de validade. No entanto, o que vou dizer também vale para os que tenho fora do frigorífico.

Nunca os uso logo a seguir a tirá-los. Fatio-os finos e ponho no micro-ondas, sobre um quadrado de papel, aquecendo 10 segundos (exactamente!) em "defrost" e aguardo um pouco, até virem à temperatura ambiente. Nem imaginam o que isto faz de libertação de aromas e sabores.

P. S. - Este truque não é de minha invenção. Li-o algures, mas lamento já não me lembrar onde, para a devida citação.

fevereiro 23, 2007

O que esperam os leitores?

A intenção oculta da entrada anterior era suscitar nos leitores comentários que me dêem alguma resposta a uma questão essencial: porque é que me lêem (são cada vez mais) e o que esperam do que lêem?

Tenho a impressão de que muita gente que anda na gastroblogosfera procura receitas interessantes, para variar ou impressionar os amigos. Óptimo, mas não é a isto que corresponde o meu interesse nesta escrita. Muito menos em mostrar capacidade de cozinha de autor, que provavelmente muitos leitores não saberão reproduzir, pelo menos com a qualidade e apuro que ela exige, para além de que, quando a crio, não é para divulgar, por razões compreensíveis.

O que fica, então? Tem interesse uma nota sobre puré de batata ou toda a gente o sabe fazer e não aprendeu nada com o que escrevi? Devo ter um padrão de grande rigor de tecnicidade, ao escrever, ou esse requinte só serve, na vida prática, para quem se pode dar ao luxo de horas de cozinha e certamente dispõe de uma boa biblioteca que dispensa este blogue? Tem interesse, contra a óbvia opinião dos puristas (eu também sou), fazer a "asneira", como hoje, de alertar para que, mesmo nos produtos industriais, se deve procurar um mínimo de qualidade, o que os pode tornar aceitáveis para um jantar apressado ao fim de um dia estourante?

Puré de batata

Pode parecer estranho escrever sobre o banal puré de batata. Na entrada seguinte, compreenderão a minha intenção. Se há coisa em que me esmere, porque gosto imenso, é no vulgar puré de batata. Li algures uma receita de puré de batata, mas com o requinte "criativo" de ser feito com batatas cozidas com casca! Fica ao gosto do cozinheiro. Não experimentei, mas nem me apetece. Batata com casca é para bacalhau à lagareiro ou para batatas com "pimenta", à moda da minha terra. Para maior suavidade, eu que uso muito batatas cozidas com a pele para esses e outros fins, claro que não o faço para puré.

As batatas devem ser farinhentas, do tipo "Hollande". Cozê-las aos quartos, em lume alto, em água com sal. Ao fim de 10 minutos, de minuto a minuto, controlo a cozedura, para ver quando estão bem macias mas nunca a desfazerem-se! É questão de se sentir o enfiar da ponta da faca ou de um palito. Creio que está aqui o segredo. Há quem, por segurança, deixe cozer demais as batatas. O puré fica uma coisa farinhenta.

A seguir, talvez mania minha aprendida em velhos manuais, levo as batatas ao forno a temperatura média-baixa (150º, pré-aquecido), durante cerca de 3 minutos, só para ficarem bem secas, mas sem alourar. Depois, "passe vite". É uma cedência prática, porque, idealmente, devia ser com um tambor de peneira ("tamis"). Fundamental, ao menos, é que não seja com moinho ou com varinha!

Sem deixar arrefecer (o controlo da temperatura é tudo na boa cozinha!), misturo 3 cs de manteiga derretida (obrigatório, já deve estar líquida, nesta fase) e separada do depósito branco que muitas manteigas fazem ao derreter, junto 1 dl de leite já aquecido e passo para um tacho, levando a lume médio-baixo, sem nunca deixar ferver o puré. Se necessário, conforme a quantidade de puré, acrescento mais leite quente, aos poucos, mexendo sempre, às vezes também 1 cs de nata (se me apetece, com uma gema de ovo diluída), tempero com mistura em partes iguais de pimenta preta e branca e com noz moscada ralada, a gosto.

Coisa importante é a relação entre o tipo e a textura da batata e o tamanho dos furos de passar. Há todas as combinações de tipos de batata e de dimensão dos furos. Na prática, parece-me que é mais difícil o controlar, na compra, o tipo de batata. Comprem a que vos agradar, sempre a mesma, mas lembrem-se de que o vosso "passe vite" vem com várias placas. Experimentem e escolham a que melhor se adapta às batatas típicas do vosso supermercado.

Também se pode condimentar um puré com algum toque de ervas, mas isto já é alta cavalaria!

Em muitos pratos, uso puré como cama ou guarnição, para ir ao forno, a gratinar. Neste caso, é difícil aconselhar, só experimentando. A espessura do puré depende do tempo do forno. Também de ser ou não envolvido em molho. Deixo apenas uma recomendação. Se querem valorizar um puré num prato de forno, pincelem-no abundantemente com gema de ovo diluída num pouco de nata e sumo de limão.

Também tenho outros purés de tubérculos, à açoriana, batata doce, inhame, caiotas, mas são segredos, coisa de negócio. E não pensem que é só adaptar esta receita de puré de batata!

Finalmente, a "asneira" gastronómica, mas de bom senso. Quem é que, ao fim da quarta feira horrorosa de aturar chefes e clientes, tem pachorra para pensar nisto? Quer ir é ao congelador preparar rapidamente um puré de batata com base num dos muitos produtos industriais. Há de todas as qualidades. Descobri um, que às vezes uso, que desafia minimamente a rejeição compreensível de um gourmet que disponha do tempo para a dispensa de tudo o que não for de grande qualidade. Para não condescender demasiado com a facilitação, só vos proponho que experimentem cuidadosamente alguns dos produtos industriais e que façam a vossa escolha. É óbvio que, mesmo que "aceitável", é para ficar esquecido ao fim de semana ou num jantar de amigos.

fevereiro 21, 2007

Caldos (III)

Fumet

"Fumet" é a designação culinária clássica para o caldo de peixe, a base para aveludados (fica para outra) de peixe que servem de base a muitos molhos. Para um "fumet", há uma decisão estratégica. Pode-se comprar um bom peixe, para uma receita em que só se vai usar os lombos. Não é preciso comprar mais nada, porque o resto do peixe vai fazer o caldo. Se não, é preciso comprar à parte uma cabeça de peixe e uns tantos peixes "ordinários", carapaus e seus primos, se possível com "tripas".
Aquecer 2 cs de azeite, só o suficiente para untar o fundo de uma panela e colocar uma camada de 1 cebola às rodelas, 1 alho francês às rodelas finas, 200 g de cogumelos em lascas, e 2 dentes de alho cortado às lascas, com uma folha de louro. Alourar, não mais do que 2 minutos, mexendo. Juntar 2 dl de vinho branco, misturar e juntar os restos de peixe, com 1 raminho de salsa, sal marinho, pimenta branca. Cobrir bem com água de nascente e cozer a lume baixo, cerca de 30 minutos. Escoar e coar, como na receita de caldo de carne.
Note-se que a o primeiro passo da receita, com o uso de azeite, não é canónico, muito menos em termos da cozinha francesa clássica. Eu é que gosto assim mas, se quiserem ser puristas, façam apenas o caldo com os legumes e o peixe.

Discussão especial é a do tomate. É essencial para muitos pratos que usam "fumet" e há algumas receitas que o acrescentam no próprio "fumet". Eu não o faço, uso-o muito, mas à parte, conforme o prato ou o molho.

Um "fumet" pode ser clarificado como descrevi antes, com clara e casca de ovo. Só precisei de o fazer duas ou três vezes, para revestir com geleia uma terrina de peixe. No entanto, aconselha mestre Escoffier uma técnica especial para clarificar um "fumet", a fervura final com caviar! Pois...

Fundo de marisco

No essencial, poder-se-ia dizer que não difere muito de um "fumet". Serve principalmente para a confecção de molhos, porque só muito excepcionalmente é que se coze marisco sem ser em água simples, principalmenteb marisco fresco, genuíno. Neste caso, simplesmente cozido em água do mar, se a arranjar em zona de salubridade garantida, sem qualquer outro tempero. Relembro o que escrevi no primeiro artigo desta série: em qualquer caso, nunca água clorada da torneira, muito menos com marisco. Quem pagou o marisco pode pagar um garrafão de água de nascente). Só depois é que esta água de cozer pode ser aproveitada para um fundo mais enriquecido.

Antes de passar à frente, uma pequena nota sobre o sal e a água do mar. Sabem que, por dentro, ainda somos animais marinhos? "Nadamos" no chamado soro fisiológico. Portanto, o requinte é pesarem 8,5 g de sal por litro de água, para ser água do mar, fora tudo o que lhe falta de sabor, porque microplâncton é coisa que ainda não se vende em lojas de gourmet.

Seja caldo de marisco de primeira ou de segunda, o tratamento seguinte é o mesmo. Retira-se tudo o que de cabeças e cascas não se vai usar e ferve-se no caldo, durante mais 30 minutos. Mói-se bem, volta-se a juntar ao caldo, ferve-se mais 30 minutos e côa-se por pano ou papel de cozinha. Mais difícil e perigoso é o uso de "tripas". Usadas sabiamente, podem dar um gosto magnífico ao caldo mas muito agressivo se usadas em quantidade demasiada. pelo seguro, aconselho a que se fiquem por cabeças e cascas. Claro que, mas só no fim, apenas um toque de pimenta branca moída na altura.

Devem ter reparado que sou muito comedido no caldo de mariscos, mas note-se que estou a falar de um fundo, para uso geral, principalmente para molhos. Muitas vezes o enriqueço ou diversifico, segundo a finalidade. Podia sugerir outros ingredientes, legumes, temperos, mas um bom apreciador de marisco não admite outro sabor que não seja o do bicho e das suas cascas e tripas.

fevereiro 18, 2007

Caldos (II)

O caldo ou fundo de aves é sempre claro, não tem a variante do alouramento prévio no forno. Variantes tem, duas e essenciais. Com uma galinha ou frango do campo inteiros ou só com os miúdos. É claro que é maluqueira desperdiçar uma boa galinha só para a usar para o caldo, a menos que se tenha bom destino a dar a uma galinha cozida. Pode-se é jogar ao mesmo tempo no preto e no vermelho, se se cozer a galinha apenas durante 3-5 minutos após a água estar a ferver. Não lhe retira nada a capacidade de utilização para um assado, um estufado ou um guisado. Faço isto com muita frequência.

A técnica não é muito diferente da do fundo de carne, com variação nos ingredientes, que devem ser mais suaves. Também inverto a ordem. Como viram, no caso do caldo de carnes, uma primeira fase de cozedura das carnes, depois o resto. No caso dos miúdos de aves, só os junto depois de os legumes e temperos terem fervido durante cerca de 10 minutos.

E o que são? 1 cebola, 3 dentes de alho, 1 cenoura, 1 talo branco de alho francês, um ramo pequeno de salsa, 1 folha de louro, casca de limão, sal e mistura em partes iguais de pimenta branca e preta. Há quem junte outras ervas, mas eu fico-me pela salsa e pelo louro. Também é frequente juntar 1 dl de vinho branco, mas nunca aguardente, ao contrario do caldo de carne. Para uma boa quantidade de caldo (2 l), uso dois pacotes de miúdos, dos que se vendem nos supermercados. Acabada a fervura, reservo sempre o fígado, que me serve para muita coisas boa (depois direi). No fim, já fora do lume, um pouco de sumo de limão, não excessivo.

De resto, a técnica é a mesma que indiquei para o fundo de carne: escumar com frequência, desengordurar e clarificar. A diferença é que não é fácil gelatinar o caldo de aves, a não ser que se trabalhe com gelatina acrescentada.

A ideia imediata é que este caldo ou fundo serve só para molhos de pratos de aves. Errado. O caldo de aves, pela sua suavidade, é coisa neutra, pode ser usado para pratos de carnes, de aves, de legumes, até de peixe ou de marisco. A minha excelente língua de fricassé? É com fundo de aves, porque o de vaca é forte demais. As almôndegas de peixe que descrevo no meu livro não dispensam um caldo de aves. Mexilhões com molho "poulette", os meus preferidos? São marisco mas com fundo de aves! É um horizonte gastronómico enorme, não posso escrever sobre ele, mas quem tiver alguma curiosidade muito particular que me escreva. Já agora, lembro que o célebre lavagante à americana, de Pierre Fraisse, nem se fica pelo fundo de aves, mistura fundo de carne a "fumet", para estufar o lavagante!

E fica para a próxima, o "fumet" ou, mais prosaicamente, o caldo de peixe.

fevereiro 15, 2007

Moinho de carnes


Sabem o que isto é, coisa já esquecida mas essencial na cozinha de família? O velho moinho manual de carne! Afinal, também a base do actual moinho eléctrico, de furos, do talho. Uso muito o "mixer" de lâminas, o 1-2-3, mas nunca para cozinha esmerada, principalmente quando se trata de carnes ou aves. Peixe, nem falar, este nem sequer por moinho, só muito esmagado à mão.

As lâminas terríveis fazem uma papa aguada, boa para confecção de pneus. Moer obriga a que a massa final mantenha os sucos no interior do moído, o que se consegue com este velho moinho tradicional (vende-se em boas lojas).

Se quiserem fazer, à última hora, um empadão de carne ou uns croquetes, não levo nada a mal o uso da misturadora de lâminas. Mas não numa tarde relaxada de cozinha, esmerada, por exemplo para uma terrina ou uma boa empada. E até se podem entreter com exercícios técnicos. O velho moinho vem com vários discos perfurados, de dimensão diferente dos furos. Podem-se combinar. Experimentem!

Não fico por aqui, sem contar uma "maluqueira". Tenho um irmão que domina a técnica de cozinha como os melhores profissionais. O velho moinho? Nê, como ele diz, à micaelense. Carne moída é coisa de meia hora, com duas enormes facas bem pesadas, a malhar na carne, alternadamente, virando-a com frequência, como tocador africano de tantan a contar história interminável e com muita paciência.

fevereiro 12, 2007

A mão à palmatória


Há meses, escrevi aqui uma crítica dura a um restaurante de Ponta Delgada, "A Colmeia", no Hotel do Colégio. Com "fair play" notável, respondeu-me o proprietário, Pedro Decq. Depois, a opinião de outro visitante muito exigente demonstrou-me que a minha má experiência tinha sido dia para esquecer, acontece aos melhores restaurantes. Lá voltarei, mas é pena que não possa ser depois de amanhã.

Vejam a ementa especial para o jantar dos namorados. Se lá estivesse, não faltava, com a minha namorada (julgam que, na nossa idade, a minha mulher e eu já não nos namoramos?). Claro que tudo dependerá da confecção, mas a ementa é do que eu gosto, simples na qualidade prometida, elegância clássica que não impedirá, espero, alguma ligeira ousadia. Mas atenção, é um risco que o restaurante assume, porque uma proposta destas exige um grande apuro técnico e de gosto na confecção! Os meus votos de que assim seja.

fevereiro 11, 2007

Caldos (I)

Uma leitora, num comentário, desafiou-me a escrever sobre caldos. Coisa muito simples: um litro de água a ferver, juntar dois cubos, mexer um pouco até dissolver :-) A sério, tem muito que se lhe diga e até nem é técnica nada difícil. Também depende do fim. Se é apenas para fazer um aveludado para um molho, para juntar um pouco à massa dos croquetes ou para ensopar o pão de um recheio, duvido que haja alguém que distinga que o caldo não foi feito com todos os esmeros. Se é para uma geleia ou para um consomê, ou é com todas as regras ou é a morte do artista.

Não posso deixar de dividir esta nota em quatro secções bem distintas, dos diferentes caldos (também chamados de fundos, na linguagem culinária tradicional): carne, aves, peixe ("fumet") e mariscos (este último não propriamente tão básico como os primeiros). Há também caldos mistos, como o chamado fundo branco. E já nem falo no caldo de caça, que adaptarão a partir do de aves, mas que já é diferente se for de caça de pelo. Se tiver vagar falarei sobre isto, embora sem grande experiência pessoal de caldos de caça.

Caldo de carne
500 g de carne de vaca de 3ª (cachaço, por exemplo), 1 osso com tutano (se o talhante for amigo, que parta bem o osso aos pedaços), 1 chispe, 150 de toucinho. 1 cebola picada com 4 cravinhos, 3 dentes de alho esmagados mas não picados, 1 cenoura grande às fatias, 1 talo grande de aipo, 1 folha de louro, 2 dl de vinho branco, 1 golo de aguardente, sal grosso marinho (moderado, corrigir no fim), pimenta preta a gosto, 1 raminho de salsa, tomilho, cerefólio, cebolinho e estragão (quem nãs tem separadamente e, de preferência frescas, pode usar a mistura já preparada chamada de "eravs finas"). Às vezes, não obrigatoriamente, também acrescento cogumelos, se os tenho em casa. Nota importante: água para cozinha, cá em casa, nunca da torneira, sempre de nascente!
Há duas possibilidades, o caldo escuro e o claro. No primeiro caso, as carnes são ligeiramente alouradas previamente no forno, a 180º, sem gordura. O caldo fica com sabor mais acentuado, o que vai muito bem com alguns molhos (todos os que se preparam com base em espanhola ou em demi-glace – está tudo bem explicado no meu livro, comprem que eu preciso dos direitos de autor!) mas não com preparações a enriquecer com outros aromas (ervas, Porto, etc.).

Começa-se por cozer só as carnes, com água a cobrir, durante 20 minutos. Escuma-se bem e junta-se os legumes e os temperos, acrescentando água. Coze mais 2 horas, a lume no mínimo, escumando de vez em quando.

Depois de remover todos os sólidos e escumar bem, o caldo é coado num passador com um pano ou papel de cozinha. Deixa-se arrefecer bem até subir a gordura à superfície. O melhor é deixar no frigorífico e, no dia seguinte, cuidadosamente, com uma colher, remover a camada de gordura, solidificada.

Seja qual for a utilização (a não ser os casos rústicos que exemplifiquei), é necessário clarificar, isto é, tornar o caldo transparente, porque também se come com os olhos. A clarificação também pode ser feita, talvez seja mais prático, antes do desengorduramento, mas não me sai tão perfeita. Volta-se a levar o caldo desengordurado a ferver com 2 claras de ovo bem misturadas, mas não batidas, derramadas aos poucos no caldo, e com as respectivas cascas bem esmagadas. Leva-se a ferver, mexendo bem. Baixa-se o lume ao mínimo, tapa-se e deixa-se fervilhar durante pelo menos meia hora. No fim, a mesma operação de coar por pano ou papel. Note-se que a clarificação retira algum sabor aos temperos. Deve-se corrigir o tempero, no fim. Por isto, em alternativa, há a técnica clássica de incluir na clarificação mais um pouco de carne magra e legumes picados, para além das claras. Normalmente, não o faço.

Com tudo isto, ficou por descrever outro caldo de carne, a geleia. Muito simples, acrescentar às carnes, sem ir antes a alourar no forno, uma boa mão de vaca. No dia seguinte, arrefecido, não vão encontrar nenhum caldo, mas sim uma gelatina. À superfície, provavelmente terá umas películas feias. Saem bem com uma colher ou uma faca, mas a limpeza final deve ser com um pano molhado em água quente. Que fazer com esta geleia? Aceito palpites.

Já chega de caldos, por hoje. Voltarei, com os outros.

fevereiro 09, 2007

Biblioteca mínima (II)


Aqui vai outro. A minha relação com Mª Lourdes Modesto é complicada. Comecei a lê-la, creio que numa revista do gás Cidla, quando eu era principiante nestas artes e gostei. Depois, fui-me refinando e achando que ela não correspondia bem ao que eu desejava. Muito mais tarde, publicou este livro no Círculo de Leitores. Creio que hoje já é vendido pela Verbo, à margem do clube restrito.

Só o posso avaliar examinando o que conheço muito bem, o capítulo da cozinha açoriana. Muito bom, genuíno, vão por ela. Com isto, deduzo que o resto corresponde. Tudo me indica que é a bíblia da cozinha tradicional portuguesa, sem desprimor para o livro que indicarei na próxima vez. Adivinham qual?

Outro livro de Mª Lourdes Modesto a não perder é "Receitas escolhidas". Com uma base essencialmente clássica, sem concessões a modas, são receitas de grande qualidade, embora, por vezes, só bem sucedidas se cumpridas regras técnicas que MLM nem sempre indica. Também critico a sua não muito perceptível preocupação de afirmação de um estilo de alta cozinha com perceptível influência das cozinhas tradicionais portuguesas.

Para isto, a minha expectativa de vida não perdoa, já não vou ver Vítor Sobral reformado, livre das peias dos segredos de negócio, a escrever as lições da sua sabedoria culinária.

fevereiro 06, 2007

Biblioteca mínima (I)


Um de receitas clássicas, outro de boa técnica, outro de informação gastronómica geral e também de receitas.

fevereiro 04, 2007

Cozinha de vinho tinto

Jantei há dias em Coimbra com um grupo de amigos, que foram pelas minhas sugestões. Para mim, nessa zona, é habitual a chanfana. Não estava das melhores mas os meus amigos gostaram, até que um me disse "isto não ficaria melhor com cabritinho?". Fiquei silenciosamente horrorizado, eu que sou um grande apreciador da cozinha de vinho tinto.

O vinho tinto precisa de longa cozedura. Ou é em lume alto e relativamente rápida (mesmo assim, cerca de 45 minutos, como é o caso do polvo guisado açoriano) ou em lume médio ou baixo, hora e meia ou duas para uma "daube" ou mesmo muito mais, no caso de um assado como a chanfana ou a alcatra terceirense na versão popular com vinho de cheiro. Há cabrito que resista a isto sem se desfazer? Tem mesmo de ser cabra, e velha.

Estou a lembrar-me de algumas receitas emblemáticas com vinho tinto: "coq au vin", "boeuf bourguignon", "daube provençale". Tentem fazer a primeira com frango e as outras com vitela!

Como prenda, aqui deixo a receita da "daube" (a borguinhesa é esta base, com cenouras e cogumelos, a provençal é enriquecida com ervas e leva tomate) com a genuinidade do mestre Escoffier. Escolho esta porque, se procurarem, encontram centenas de variantes, mas há sempre o respeito pelo mestre.
Cortar em pedaços grandes carne de vaca para guisar (não carne de primeira!). Marinar durante duas horas com alho, salsa picada, sal, pimenta, um "bouquet garni" e vinho tinto, a cobrir bem. Derreter bastante gordura de toucinho. Alourar os pedaços de carne escorridos, juntar mais gordura e completar o alouramento. Passar para uma terrina de barro, forrada no fundo com fatias de toucinho. Juntar a marinada e tapar, vedando com "cola" de farinha em água, deixando um furo pequeno para "respiração". Assar em forno médio, durante 4 horas!
Nota à margem – De certa forma, embora menos estritamente, o mesmo se aplica à cozinha com cerveja, como as "carbonades" flamengas, afinal, essencialmente umas "daubes", com cerveja em vez de vinho. Aqui vai também uma receita que julgo genuína, fornecida por uma amiga belga, grande cozinheira. À boa maneira belga, acompanhamento nos restaurantes é sempre batata frita, mas a tradição familiar é de batata cozida.
1 Kg de carne de vaca de guisar, 2 cebolas, 50g de banha, 2 cs de mostarda, 2 cs de vinagre, 2 dentes de alho, 2 folhas de louro, um raminho de tomilho, 5 dl de cerveja de alta fermentação (em Portugal, Boémia ou Abadia), 1 fatia grossa de pão rústico, sal, pimenta preta.
Numa caçarola, de preferência de barro, derreter a banha e alourar a carne aos cubos grandes, temperada com sal e pimenta. Juntar e alourar a cebola e o alho, picados grosso. Regar com o vinagre, saltear um pouco, juntar as ervas e a cerveja. Se necessário, juntar água só até cobrir a carne. sobre tudo, colocar a fatia de pão barrada com mostarda, no lado de baixo. Tapar bem e cozer a lume baixo, duas horas.

fevereiro 01, 2007

Ervas açorianas

Referi-me há dias às açordas açorianas, muito variadas mas não em ervas. Isto fez-me lembrar de uma nota breve, quase uma curiosidade. Ervas, na cozinha açoriana, limitam-se praticamente à salsa, ao louro e à hortelã. No entanto, usa-se bastante uma erva típica da cozinha alentejana, o poejo. A curiosidade é não ser aproveitada para a cozinha, apenas para a preparação de um licor tradicional.