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novembro 30, 2006

Arroz de repolho

Veio-me de oferta um repolho açoriano. Não é o de cá, muito menos a couve lombarda. É uma variante de pequena dimensão, esférico, muito denso, quase a dificultar a separação das folhas. Usei metade para testes de guarnição à açoriana. Outra metade ficou para matar saudades de um prato banal que fazia delícias minhas de infância. A cozinha de fim de semana deve ser um desafio a um bom gastrónomo, a do dia-a-dia, em meia hora, é a felicidade das memórias de família. E admite receitas tão simplesm mas tão boas como esta, tradicional.

Arroz de repolho e linguiça
1,5 copos de arroz carolino, meio repolho, 1 linguiça de S. Miguel (pode ser um bom chouriço alentejano, mas não sabem o que perdem), azeite q. b., 1 tomate (ou 2 cs de polpa de tomate), 1 cebola, 2 dentes de alho, 1 folha de louro, sal, pimenta preta, malagueta, 3 grãos de pimenta da Jamaica, um toque de açaflor (dispensável, por falta dela no continente), 1,5 copo de água.
Receita muito simples. Lavar bem o arroz. Primeiro o refogado de cebola e alho com o tomate, depois a linguiça aos cubos e o repolho picado grosso. Ao fim de um minuto, juntar o arroz e mexer bem, a estalá-lo. A seguir os temperos, 1,5 vezes de água, 13 minutos de fervura.

Isto provoca-me a uma nota técnica, sobre refogado. Há muita gente que refoga tudo ao mesmo tempo. O sabor do alho fica abafado. Em termos de boa técnica, aquecer o azeite a lume médio e juntar o alho picado (o alho só deve ser picado depois de semi-esmagado). Antes que o alho ameace queimar, retirar do lume o tacho ou frigideira e aguardar um pouco. Só depois é que se junta a cebola picada, a puxar (velho termo das nossas avós). Tomate ou pimentão, só um minuto depois, depois de a cebola começar a estalar.

novembro 28, 2006

Tudo a monte


Na entrada anterior, fui injusto para com os amadores. Esta fotografia é de um chefe conceituado e foi publicada no Expresso. A receita, de salmonete, até não me parece má e é equilibrada em componentes. Mas apetece-vos comer isto, colocado no prato à vossa frente? Ou será que eu sou muito tradicionalista? Até é mais coerente o Maxburger, camadas em arranha-céus, difícil é comê-lo.

Para quem possa achar que este blogue é pernóstico e de amador, e para quem gosta de receitas, deixo hoje uma das minhas criações de que gosto mais, avisando que é de confecção muito difícil e demorada, mas valendo a pena.

Assado de três carnes, cada uma aromatizada de sua forma

Não é uma receita para o dia a dia. É cara, trabalhosa e exige tempo. Mas creio que é original para um jantar de amigos feito com cuidado e sem pressas, mostrando-lhes que também sabe fazer “alta cozinha”. E, se lhes disser com alguma subtileza que passou um dia na cozinha em sua honra, garanto que ficam maravilhados. Tenho um grande amigo que me diz sempre isto e em grupo de amigos, em relação à primeira vez que o convidei à mulher e a ele para um jantar. "E não querem saber que o João passou uma tarde inteira a fazer-nos o jantar?".
500 g de peitos de frango do campo, 500 g de lombo de porco, 500 g de carne de vaca para assar, miúdos de um frango, 4 cebolas (se conseguir chalotas, 8 chalotas), 2 cenouras, 3 talos de aipo, 1/2 couve lombarda, 5 dentes de alho, 70 g de bacon, 4 ovos, 3 cs de manteiga, 1 ramo pequeno de salsa, 1 ramo de salva ou de alecrim, 1 raminho de estragão, 10 cogumelos grandes, 1,5-2 pães grandes, saloios, 100 g de nozes (ou avelãs, pinhões ou pistáchios, à escolha), 1 tira de casca de limão, 1 copo de vinho branco, 1 dl de vinho do Porto, 1 cálice de aguardente, 2 cravinhos, 4 grãos de pimenta da Jamaica, sal, pimenta branca, pimenta preta.
Semi-cozer as carnes separadamente, em caldos de legumes, como indicados a seguir, em que os legumes ou outros ingredientes cozeram previamente durante meia hora. Ferver o frango durante 8 minutos em água com uma cebola, uma cenoura, os miúdos, um ramo pequeno de salsa, casca de limão, sal e pimenta branca. Ferver a carne de porco, durante 12 minutos em água com um copo de vinho branco, 1 cebola picada com cravinho, 2 dentes de alho esmagados, 1 cenoura, sal, pimenta preta e um ramo de salva ou de alecrim. Ferver a carne de vaca, durante 15 minutos, em água q. b. com 1 cebola, 2 dentes de alho, os talos de aipo, os cogumelos aos quartos, pimenta preta, pimenta da Jamaica, um raminho de estragão, 1 dl de vinho do Porto e 1 cálice de aguardente (muito importante: todo este caldo sem sal!).

Remover as carnes, escumar e coar bem os caldos e reservá-los. Guardar os fígados de frango. Quando arrefecidas as carnes, cortar os peitos de frango, a carne de porco e a carne de vaca aos cubos pequenos, de 1,5 cm. Polvilhar os cubos de carne de vaca com um pouco de sal fino. Entretanto, deixar reduzir até molho muito espesso e gelatinoso o caldo de vaca. No fim, devem ficar apenas 2-3 cs.

Preparar a pasta de envolver as carnes: esfarelar bem o miolo de pão e embebê-lo num pouco de caldo do frango. Moer com a manteiga o bacon, 1 cebola pequena picada e 3 dentes de alho. Derreter ao lume baixo esta mistura, sem deixar queimar e misturar o pão, bem escorrido, o fígado do frango, bem esmagado e as nozes moídas. Juntar os ovos batidos, corrigir o tempero, juntar ervas bem picadas (salsa, tomilho e estragão) e deixar secar, durante cerca de 15 minutos, a lume baixo, sem ferver, mexendo sempre. Este recheio deve ficar muito consistente, a colar queimado ao fundo da panela. Depois de arrefecer, formar um rolo com esta massa e com os cubos das três carnes, deixando por fora a mistura de pão, que deve ser em quantidade para envolver completamente as carnes. Embrulhar completamente com bastantes folhas de couve lombarda, atar e levar a forno médio durante cerca 45 minutos, até a couve estar bem crestada.

Fazer um molho colorido: preparar um roux escuro de 2 cs de manteiga e 2 cs de farinha e molhá-lo com metade do caldo de frango e metade do caldo de porco, para aveludado. Rectificar o tempero e juntar 2 cs de vinho do Porto. Ferver até boa consistência e acrescentar a redução do caldo de vaca, em quantidade que não resulte em sabor muito excessivo dos temperos da redução. Temperar ligeiramente com algumas folhas de estragão.

Rejeitar as folhas de couve lombarda e servir o assado, eventualmente coberto com algumas fatias muito finas de presunto de Parma, regado com um fio do molho e polvilhado com estragão picado, a fazer a transição para o molho. Servir em redor ou em molheira o resto do molho.

Acompanhar com uma guarnição para carnes elaborada. A que uso mais frequentemente com este assado são batatas torneadas e assadas em papelotes, bem untadas com manteiga, tomates cereja assados durante 5 minutos em forno pré-aquecido a 90º, depois de molhados em azeite com manjericão, e cebolinhas (ou cebolas aos gomos) glaciadas até quase caramelizadas. Também não fica mal uma pequena forma de massa de empada recheada com duxelle de cogumelos ou uma coisa suave, como alface escaldada.

Perguntr-me-ão: vale a pena tanto trabalho? Experimentem e digam.

novembro 26, 2006

Sabor ao mesmo ou separado?

Na velha cozinha de tacho, aliás excelente, é-nos servida no prato uma mistura de sabor comum. Umas tripas, uma feijoada, uma caldeirada, um ensopado, um arroz de cabidela, um polvo à açoriana, tanto mais. Excepção para o cozido, em que, provavelmente era assim na origem, mas que agora apurou, com distinção de sabores (para apreciadores).

Hoje não é assim, na boa cozinha. Nem sequer devo dizer hoje, já vem dos grandes mestres da cozinha francesa clássica. Tenho lido receitas de amadores em que tudo sabe ao mesmo, carne, molho e guarnição. Este erro elementar pode parecer coisa de que nem vale a pena falar, mas vou pela opinião de uma leitora que me diz sempre que há muita gente que não conhece o mais elementar da gastronomia, embora merecendo conhecer. Com isto, não é meu propósito, como simples amador, dar lições a ninguém, apenas lembrar coisas que certamente já estão no instinto gastronómico dos leitores.

Apesar de haver hoje uma certa tendência para complicar os pratos, com demasiados componentes e, às vezes, tudo a monte, continuo fiel à velha tradição da tríade essencial, com apresentação destacada: ingrediente principal (carne, ave, caça ou peixe), depois o molho e a seguir a guarnição (acompanhamentos, não mais do que três). Tudo deve estar em equilíbrio contrastante-harmonioso. O que não pode é ser tudo igual, tudo a saber ao mesmo. A arte está no binómio que escrevi, contrastante-harmonioso. Por vezes, o contraste resulta muito bem, uma peça suave e um molho vincado ou vice-versa, doce e azedo, uma guarnição bizarramente contrastante. Outras vezes, o segredo é a transição subtil de sabores entre cada naipe da orquestra. No entanto, transição não é sabor idêntico.

Vou começar pelo molho. Na minha cozinha e nas minhas receitas, o molho é relativamente independente do prato essencial. O capítulo de molhos está bem desenvolvido no meu livro, dizem-me que até demais, mas é coisa essencial para mim. A mesma carne assada, o mesmo tornedó, até as simples costeletas, dão pratos variadíssimos, mude-se o molho. Até faz a diferença do cozinha do dia-a-dia. Mas que molho? A minha tendência é para que a peça principal seja confeccionada com sabores suaves e que estes sejam acentuados pelo molho. Mas não é regra absoluta. Por exemplo, uma coisa que me dá muito prazer a fazer é a minha própria terrina de carnes. Neste caso, vou sempre por uma variante minha do molho Cumberlandt, inteiramente contrastante. Noutros casos, prefiro uma combinação melódica entre peça e molho, como nas magistrais combinações mozartianas entre tema e variantes.

Diferente é a guarnição. Nunca por nunca a saber à peça ou ao molho. Mas também não em contraste excessivo. Um lombo de salmonete não pode ser guarnecido com batatas assopradas ou com um esparregado de pimentos morrones, qualquer das coisas, em si, muito boa. Para mim, a guarnição vem abaixo do molho, mas em contraponto sábio. Peça e molho são diálogo entre cordas, guarnição é o naipe de madeiras ou de sopros, indispensável, mas que se deve distinguir.

Aqui sim, o desafio entre a harmonia e o contraste. Não vou dar conselhos, é a arte de cada um. Não o consegui fazer no meu livro, "O gosto de Bem Comer", em que nenhuma receita é apresentada com guarnição, porquetambém eu as vario, de confecção para confecção do mesmo prato. Sugiro muitas em capítulo próprio, para combinação a gosto.

Voltando à música. A peça define o tema principal. O molho desenvolve-o. A guarnição faz entrar outro tema, em diálogo.

Hoje, e muito bem, o contraste harmonioso também se faz muito à vista, com as cores. Ficará para próxima nota. Mas desde já a minha pena de que haja tão poucos vermelhos, a contrastar com toda a riqueza de verdes. Amarelos alguns, roxos também, azuis não conheço, a não ser algumas bagas.

novembro 24, 2006

Correcção

Induzi em erro os meus leitores, peço desculpa. Os vinhos dos Biscoitos da Casa Brum não estão à venda no Hotel Diplomático mas sim no Bazar Diplomático, uma iniciativa anual de beneficência das mulheres dos embaixadores acreditados em Portugal. Lamentavelmente, para quem poderia aproveitar esta oportunidade, parece que o bazar encerra hoje. De qualquer forma, parece que só restam duas ou três garrafas.

Luís Brum tem reservas quanto à classificação que fiz do Da Resistência, resultado de uma conversa nossa. Vou recebê-lo e darei notícias mas, obviamente, quem sou eu para me sobrepor á sua opinião de mestre?

novembro 21, 2006

Notícia importante

Muito tenho escrito sobre o vinho dos Biscoitos. Terminada uma das minhas excelentes cavaqueiras telefónicas com o Luís Brum, aqui vai uma informação importante. Podem encontrar Biscoitos em Lisboa, embora em quantidade limitada que não garante presença permanente, no restaurante do Hotel Diplomático. Também outra informação de última hora, o lançamento de um novo branco verdelho de mesa, o "Da resistência". Diz-me o Luís Brum que mais leve do que o Donatário, mas, mesmo assim, com 12,5º. Cuidado ao conduzir! Claro que vou receber a garrafa da praxe e darei notícias.

Queijo, uma das minhas perdições

Volto aos queijos açorianos. Gabo-me de ser um grande apreciador de queijos, às escondidas do meu médico e dos seus cuidados com o meu colesterol alto. Começo logo por os classificar em "queijos" de entrada e em verdadeiros queijos, os que, ao almoço, são servidos entre o prato, eventualmente depois da salada pós-prato, e a sobremesa. Na primeira classe estão os queijos frescos ou queijinhos semicurados, coisa que só serve para ir com um presunto ou com bons enchidos. São simples penduricalhos de um couvert hoje banal.

Queijo, a sério, acompanhado por um bom generoso (Porto vintage para ricos ou então LBV, Madeira boal ou Biscoitos meio doce) ou com um vinho encorpado e de sabor vincado, é outra coisa. A minha lista, em variações frequentes da minha tábua de queijos, é infindável. Acima de todos, um gruyère super-choix, para mim o rei dos queijos. A seguir, um S. Jorge, afinal o tema desta nota. Depois, uma lista variada: camembert (mas não o Président!), gorgonzola, gouda, chedar, manchego, roquefort, Serra, Azeitão, Serpa, Pirinéus, chèvre, vacherin de Friburgo, queijo velho de S. Miguel, muitos mais, claro que, na tábua, apenas em seis variedades bem combinadas, no máximo. Excluídos desta lista: flamengo português (excepto o Terra Nostra, só para sandes e, vá lá, o limiano), Brie, Ementhal, danish blue.

Reparem que a minha tábua só tem alguns exemplos dos nossos carismáticos queijos de ovelha e nunca mais do que um, em cada tábua. São muito bons mas, infelizmente, esgotam a cultura de queijos de boa parte dos portugueses. Os grandes queijos de mérito internacional são de vaca, como nas minhas ilhas.

Dito isto, vou falar, para os visitantes de Ponta Delgada, de uma loja de queijos imperdível, à ilharga direita do mercado. Infelizmente, não recordo o nome, grande injustiça. Só queijos açorianos, mas muitos. Julgam que é só S. Jorge? E o Pico, o queijo velho de S. Miguel, o queijo do Corvo? E até os novos queijos industriais, semimoles, muito bons, de S. Miguel? Só é pena que já tenha desaparecido um dos melhores queijos açorianos, o Água Retorta.

Passemos, no entanto, ao emblemático queijo de S. Jorge, o "queijo da ilha". Simples queijo curado de vaca, qual o segredo? A qualidade das pastagens naturais, a impregnar no queijo sabores indescritíveis, e uma cura longa (pelo menos quatro meses para um bom queijo) que, antigamente, até se fazia com os queijos enterrados na terra.

Nestas condições artesanais, tudo contribui para a qualidade. Começa logo pela geografia, numa pequena ilha aparentemente igual. Enganam-se, não há só uma ilha. Há S. Jorge e S. Jorge. Daquilo que por cá conheço, aconselho a que só comprem queijo do Topo. Mas, se forem à tal loja de Ponta Delgada, experimentem meia dúzia de variedades, com especial atenção ao queijo de Rosais, mais ou menos lascado, mais ou menos picante, há de tudo. Com o velho hábito da prova de uma lasca de queijo, antes da compra.

novembro 19, 2006

Limão galego


A minha cozinha açoriana de infância está cheia de sabores desconhecidos no continente, ou só recentemente conhecidos. Quem é que, aqui, há vinte anos, sabia o que era batata doce, inhame, caiota (chuchu)? Ainda hoje, há muita coisa que só lá. O chicharro, como já escrevi, é outra coisa, mesmo outra espécie zoológica, bem como a abrótea é de qualidade muito superior. Bodião, rocaz, boca negra, serra, bicuda, muitos mais, são peixes que nunca vi cá à venda. Nas frutas, já começam a aparecer cá a goiaba e o maracujá, mas alguém sabe o que é o excelente agridoce araçá? E até, muito mais prosaicamente, o repolho açoriano, que é muito superior em textura e gosto ao repolho ou lombardo continental?

Hoje vou falar de um óptimo presente que tive, de limões galegos. Foram para o congelador, para uso regrado pelos tempos adiante, fora uns que foram essenciais para o jantar de ontem, uns torresmos de molho de fígado, precedidos por umas favas de taberna, obrigatoriamente favas secas, difíceis de encontrar cá no rectângulo e que também vieram nessa oferta (irmãos bons gostadores da boa mesa, sempre a desafiarem-se um ao outro, é coisa que se lhe diga).

O limão galego (Citrus aurantifolia), de origem indiana, é uma variante do limão comum (Citrus limonum). A árvore, para não botânicos, é muito semelhante, talvez um pouco mais pequena. Frutifica nesta altura, entre Novembro e Janeiro. O sabor fica entre o limão e a lima, mas com menor acidez e com um ligeiro mas perceptível toque alaranjado. Por isto, já escrevi uma sugestão de imitação: metade de limão, metade de lima e uma pequena parte de laranja. Quem não tem cão caça com gato.

Nos Açores, especialmente em S. Miguel, substitui frequentemente o limão nas marinadas, em particular na vinha d'alhos. Em alguns casos, dá um sabor imprescindível. Como escrevi no meu livro "O Gosto de bem Comer", tive enorme trabalho em reconstituir de memória de infância uma receita excelente da minha avó Viveiros, os tais torresmos de molho de fígado. Vendem-se até nos supermercados de Ponta Delgada, mas que diferença. Baseado em algumas receitas antigas, fui refazendo a da minha avó, que não a deixou escrita, testando com a família. Só ao fim é que acertei em dois segredos, apanhados por acaso à minha tia quase centenária mas com inteligência e memória de vinte anos. Um é a inclusão, pouco vulgar ou mesmo única, ao que sei, de "todolos tamperos". O outro, e é o que vem ao caso, é o uso abundante do limão galego na vinha d'alhos.

Desculpem lá, meus amigos, mas a minha casa não chega para todos os que adivinho que gostariam de ter em sido convidados para o jantar.

Nota à margem. Falei de inhames. Há nos Açores uma variedade, muito boa, de pequenos inhames, muito aromáticos e de sabor muito suave, a que se chama minhotos. Alguém me diz de onde vem este nome? Não acredito que alguma vez se tenham cultivado inhames no Minho.

novembro 18, 2006

Dando a mão à palmatória

Ao preparar hoje um jantar de família para o meu grande cúmplice gastronómico, um dos meus irmãos, dei por erros na receita no meu livro ("O Gosto de Bem Comer") de um dos nossos pratos emblemáticos, regionais e de família, os torresmos de molho de fígado. Que fazer? Ficar-me nas tintas para quem comprou o livro ou dar a mão à palmatória? A minha honestidade intelectual não me permite dúvidas. Aqui vai a receita corrigida e comprovada.
500 g de lombo de porco, 750 g de entrecosto (da parte com mais carne), 250 g de toucinho, 500 g de fígado de porco em peça, 125 g de banha, vinha de alhos com 4 limões galegos (na falta, substituir por meia laranja, três limas e um limão grande).
"Todolos tampêros" (em grande quantidade, para usar para a próxima vez e em muitos outros pratos). 100 g de colorau, 100 g de erva doce, 20 g ou uma cs de canela, 5 g ou uns 20 grãos de pimenta preta, 5 g ou 15-20 cravinhos e 5 g ou uma c. chá de cominhos
Cortar todas as carnes em pedaços de bom tamanho e deixar pelo menos um dia em vinha de alhos: dois copos de vinho branco, 4 cs de vinagre, 1 cabeça de alho pisada, 1-2 cs de sal grosso, 1 cs de malagueta, uma folha de louro, 8-10 grãos de pimenta preta, 4 cravinhos, meia cs de açaflor, 3 cs de “temperos”, 4 limões galegos aos quartos, espremidos, água q. b. A minha avó juntava também uma isca de baço de porco, esfarelada.

Numa panela sem gordura, derreter a toucinho, se suficientemente gordo. Em alternativa, derreter a banha e aquecê-la ao máximo, sem queimar. Começar por fritar o toucinho. Juntar todas as carnes, muito bem escorridas e fritar bem durante bastante tempo, mexendo sempre, até secar o líquido, ficando só a gordura e as carnes estarem bem fritas. O segredo é o lume muito alto, pm,as controlado, para as carnes fritarem, em vez de cozerem nos restos da vinha de alhos. Entretanto, cozer à parte 3 pedaços de fígado. Acrescentar o fígado restante à fritura, mexendo bem, até alourar. Remover as carnes. Acrescentar à banha de fritar parte da vinha de alhos coada, misturando os sucos e ferver, a apurar bem, juntamente com o fígado cozido e muito bem esmagado. O molho deve ficar a meio termo entre o gorduroso e o líquido, mas sempre bem ligado.

Como noutros pratos açorianos, não leva acompanhamento, embora se sirvam por vezes com inhames cozidos. A quem desejar um acompanhamento menos invulgar, sugiro um simples arroz branco ou batatas cozidas.

Um vinho forte, Bairrada ou Alentejo. Depois, uma pausa para conversa e um S. Jorge com Biscoitos. Cozinha açoriana, tão desconhecida no rectângulo!

novembro 17, 2006

O tempero das saladas

Uma das técnicas bases, tão violentadas, é o do tempero de uma vulgar salada. Já as tenho comido desenchabidas, outras vezes empasteladas em azeite e vinagre, a alface toda mole. Desafio os meus leitores a exercícios sobre esta coisa tão elementar. Como usar o tempero só para valorizar a salada, no ponto certo, com todo o sabor das hortaliças e dos legumes? É com estas coisas banais (?!) que se faz o cozinheiro.

Não me teria lembrado desta nota simples se não fosse um irmão ter-me recordado uma máxima do nosso avô José da Costa, mistura única de alta figura de inteligência e cultura e de um grande gosto pelos prazeres da vida: "azeite como um doido e vinagre como um avaro".

A propósito disto, respigo coisas que escrevi no "O Gosto de Bem Comer". É-me geralmente inaceitável o uso de salada fresca e fria como guarnição, a não ser em alguns pratos frios. Especialmente inaceitável no caso dos restaurantes vulgares, em que vem no prato, com o azeite e vinagre a misturarem-se a um molho de bife, por exemplo. Excepcionalmente, em alguns pratos quentes, por exemplo o simples empadão de carne ou o arroz de pato, apenas alface ripada, com um ligeiro toque de azeite e uns pingos muito controlados de vinagre balsâmico.

Habitualmente, sirvo a salada entre a sopa e o prato, mas também gosto do velho hábito francês de a comer entre o prato e a sobremesa. Segunda regra, acompanhar sempre com água. Não há vinho que resista ao necessário tempero de uma salada. Finalmente, há muito mais tempero para uma salada do que o azeite e vinagre ou a vinagreta. Mas, para saberem isto, comprem o meu livro.

Nota - Há tempos, um comentador chamou-me pretensioso, um amador a dar conselhos de cátedra. Tem o direito à sua opinião, mas garanto que a minha intenção não traduz nenhum narcisismo, apenas a boa vontade de ajudar os que, normalmente , não têm vagar para reflectir sobre coisas básicas da gastronomia. É entreajuda, entre amigos. Longe de mim ter pretensões a mestre.

novembro 15, 2006

Novamente o catering

Quem, com toda a razão, não gosta de snobismos é melhor não ler esta entrada. Confesso desde já que tenho um hábito pouco consentâneo com a minha modéstia geral de costumes: só viajo de avião em classe executiva. Sou comodista, tenho pernas compridas e tenho alguma aversão a contacto físico muito próximo. Mas o dinheiro sou eu que o ganho e ninguém me pode criticar por o usar a meu gosto.

Este blogue é de gastronomia e, por isto, vou escrever sobre o catering, mais especificamente da TAP e em executiva, presumindo que passar para turística só agrava as coisas. A primeira observação é que é muito diferente a refeição num voo a partir de Lisboa e num voo de regresso. Se não estou em erro, o catering em Lisboa é da responsabilidade de uma empresa dirigida por Vítor Sobral, um dos nossos melhores chefes. As ementas são muito bem concebidas e aliam um necessário consenso internacional com um toque português moderadamente manifesto.

Imperdoável, como pequeno pormenor, é que seja sempre servido como queijo o camembert rasca que dá pelo nome de Président. Nota positiva também para os vinhos, muito aceitáveis e representando Douro, Dão, Bairrada e Alentejo. No entanto, já tenho feito viagens em que só há a bordo um ou dois vinhos. Ou ainda, como já me aconteceu, agora que, muito bem, o vinho é servido a copo, não tivessem aberto uma garrafa porque eu era o único passageiro a escolher um determinado vinho.

Feito o elogio a Vítor Sobral, vem a critica principal. Ele é tido como um dos nossos cozinheiros que melhor domina tecnicamente a temperatura. Todavia, falha muito em relação aos fornos de bordo dos aviões. Devia fazer algumas viagens a testar as suas confecções. Há dias, serviram-me uma aparentemente apetitosa vitela assada com molho de amêndoas e arroz de damascos. Nada a dizer quanto à qualidade da carne e ao tempero, mas o molho estava grossíssimo e quase seco (é por isto que nunca aqueço no micro-ondas molhos com base em roux de farinha) e o arroz ficou também seco e crestado.

novembro 12, 2006

O respeito pelos autores

Há dias, manifestei a minha opinião muito liberal sobre as modificações legítimas de pratos de cozinha tradicional. Paradoxalmente, tenho por regra de respeito pelos autores nunca modificar as receitas de autoria consagrada. Isto está em contradição com o que digo aos meus leitores de O Gosto de Bem Comer, qualquer coisa como isto: "aprecio a ideia de modificarem as minhas receitas segundo os vossos talentos de imaginação culinária, desde que não desvirtuam o essencial". De receitas genuínas, vou dar dois exemplos bem conhecidos. Reparem que, propositadamente, não vou dar a lista de medidas dos ingredientes. Nessa altura, não era hábito inclui-las nas receitas. Fica o desafio aos leitores. Se algum não se quiser arriscar, que mas peça.

Bacalhau à Gomes de Sá

Gomes de Sá, que viveu no Porto no fim do século XIX, comerciante de bacalhau, deixou-nos uma magnífica receita, uma das minhas preferidas, recolhida por Maria de Lourdes Modesto, tal como a transcrevo.
Demolha-se o bacalhau, coloca-se num tacho e escalda-se com água a ferver. Tapa-se e abafa-se o recipiente com um cobertor e deixa-se ficar assim durante 20 minutos. Depos escorre-se o bacalhau, retiram-se-lhe as peles e as espinhas e desfaz-se em lascas. Põem-se estas num recipiente fundo, cobrem-se com leite bem quente e deixam-se ficar de infusão durante 1:30 a 3 horas. Entretanto, cortam-se as cebolas e o dente de alho às rodelas e levam-se a alourar ligeiramente com um pouco de azeite. Juntam-se as batatas, que se cozeram com a pele, se pelaram e cortaram às rodelas. 
Junta-se ainda o bacalhau escorrido. Mexe-se tudo ligeiramente, mas sem deixar refogar. Tempera-se com sal e pimenta. Deita-se imediatamente num tabuleiro de barro e leva-se a forno bem quente durante 10 minutos. Serve-se no prato em que foi ao forno, polvilhado com salsa picada e enfeitado com rodelas de ovo cozido e azeitonas pretas.
Bacalhau à Conde da Guarda

O nome engana e nunca consegui apurar a sua origem. Quem era o conde Guarda e o que tinha a ver com esta receita? De facto, é uma receita original de mestre João Ribeiro, do Hotel Aviz, a quem talvez devamos tanto a Fundação Gulbenkian como a Azeredo Perdigão. Presto anualmente uma homenagem ao mestre. Durante o ano, vou improvisando muito sobre bacalhau, mas já é tradição que o de jantar de Natal seja à moda do Conde da Guarda e seguindo fielmente a receita, a dar entrada ao meu magnífico capão recheado, receita de família. Só falta, às saúdes de champanhe, lembrar mestre João Ribeiro. Eu até daria uns toques pessoais de modificação (já o fiz, em outras ocasiões experimentais), mas curvo-me reverencialmente perante o mestre.

A receita foi registada pelo seu amigo Manuel Ferreira, tal como contam José Labaredas e José Quitério no seu imperdível "O Livro de Mestre João Ribeiro" (Assírio e Alvim, 1996, ISBN 972-37-0406-4).
Coze-se o bacalhau e as batatas e escorrem-se, passando estas pelo peneiro. Escolhe-se o bacalhau de peles e espinhas e pisa-se num almofariz juntamente com os alhos. Retira-se este preparo do almofariz e deita-se numa caçarola. Leva-se ao lume, juntam-se-lhe a manteiga e a batata e liga-se bem. Adicionam-se-lhe as natas, a pouco e pouco, mexendo sempre com colher de pau até que a massa esteja bem lisa.
Tempera-se com sal, pimenta e noz-moscada. Unta-se com manteiga um prato de ir ao forno, deita-se-lhe o conjunto dentro, alisa-se e polvilha-se com o queijo. Salpica-se com manteiga derretida e leva-se ao forno a corar.
Devia ainda escrever sobre outras receitas históricas. Uma é a das amêijoas à Bulhão Pato, coisa tão brilhantemente singela. Nunca encontrei um escrito garantido com a sua receita genuína e, por isto, vou fazendo a minha, tal como a apurei. Outra é a das lapas com molho Afonso, coisa açoriana excelente, o único prato português que tira todo o partido das algas marinhas. Quem terá sido esse Afonso?

Finalmente, coisa que nunca aldrabo, a melhor receita portuguesa, a perdiz do convento de Alcântara, que difere de tudo o que foi dito antes por ser de autor anónimo. Mas não aldrabar custa os olhos da cara, em foie gras, trufas e Porto de alta qualidade, afora só poder ser feita por amigos de caçadores. Um dia destes, que as saudades já se fazem sentir, vou ter de abrir os cordões à bolsa.

novembro 11, 2006

Rectificação

Há tempos, escrevi uma nota muito crítica em relação a um restaurante muito na moda em S. Miguel. Hoje, um bom gastrónomo disse-me que lá tinha ido e gostado. Dissecando a contradição, verifiquei que a ementa mudou muito. Também devo assinalar que o dia em que lá fui era o da reabertura, ao fim de largos meses de encerramento para obras. Aqui fica registada a minha expectativa em relação a uma futura visita ao Gato Mia.

novembro 05, 2006

Medidas

Perenelle, leitora habitual, do lado de lá do Atlântico enviou-me uma mensagem muito interessante, com coisa em que ainda não tinha pensado, em termos de divulgação de coisas básicas de cozinha: a equivalência entre medidas, as tradicionais de cozinha (copo, chávena, colher, etc.) e as métricas, hoje cada vez mais usadas. Aqui vai, e bom proveito. Também uma tabela muito útil sobre a temperatura do forno.

Medidas de ingredientes sólidos
1 chávena (chá) de farinha ou amido de trigo: 100 g
1 chávena (chá) de açúcar: 130 g
1 chávena (chá) de manteiga, banha ou margarina: 140 g
1 colher (sopa) de banha, manteiga ou margarina: 50 g
1 colher (sopa) de açúcar: 30 g
1 colher (sopa) de farinha ou amido de milho: 5 g
1 colher (sopa rasa) de sal ou fermento: 5 g

Medidas de ingredientes líquidos
1 litro ( qualquer líquido): 4 copos
1 copo (qualquer líquido): 250 ml
1 chávena (chá): 240 ml
1 colher (sopa): 15 ml
1 colher (chá): 5 ml
1 colher (café): 2,5 ml.

Temperatura do forno
Forno brando: de 140° a 150° C.
Forno brando a mais: de 150° a 175° C
Forno regular: de 175º a 190º C.
Forno quente: de 190° a 230° C
Forno muito quente: de 230° a 275° C

Isto hoje vai tardio, porque só agora cheguei der uma viagem à Suécia. Vai dar para algumas entradas. Cozinheios suecos só mesmo o patusco dos marretas.