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junho 18, 2006

Três notas sobre ovos

1. Ovos mexidos. Pode parecer pretensioso escrever sobre coisa tão banal. Há alguém que não os saiba fazer? Há sim, os "cozinheiros" de pequeno almoço de muitos hotéis (a essa hora, os verdadeiros cozinheiros devem estar a dormir). Começo pela boa técnica, depois darei algumas indicações minhas. Hoje, os ovos guardam-se no frigorífico. Devem ser retirados um bom quarto de hora antes, para não sofrerem um choque brusco de temperatura. Nunca devem ser batidos, mas sim misturados suavemente. A frigideira deve ter o fundo espesso. Gordura (manteiga ou margarina) só a suficiente para untar o fundo. A altura do lume é critica, deve ser muito baixo. Havia cozinheiros clássicos que até faziam os ovos mexidos em banho-maria. Se começarem a formar-se crostas (mau sinal!), devem ser descoladas logo da frigideira e bem misturadas com a parte ainda líquida, para ir homogeneizando a mistura. E, melhor do que uma colher de pau, usar uma espátula larga, de madeira, hoje de plástico resistente ao calor.

Agora as minhas dicas. Contra a regra padrão, não me importo de manter uma ligeira separação entre a gema e a clara. Não vou é ao exagero de Calouste Gulbenkian, que exigia ao mestre João Ribeiro que misturasse os ovos com sete (nem mais, nem menos!) voltas de uma faca. Um dia, hei-de experimentar e conto-vos. Como pimenta, uso metade de branca e metade de preta e também gosto de um toque de noz moscada. Como é clássico, junto aos ovos, antes de os misturar, um golo de nata ou de leite.

2. Ovos com bacon. Não devia falar deste meu atentado à dietética, mas cá vai. O meu médico que não leia isto. É o meu almoço frequente no dia em que a minha mulher me "abandona" para ir trabalhar como voluntária hospitalar. Não uso o bacon fatiado, já embalado. É em fatias muito finas, que encarquilham e ficam logo ressequidas, antes de os ovos estarem prontos. Mando cortar fatias de 2 ou 3 mm de espessura. Uso uma frigideira de barro, individual e, no fim, escorro a gordura. Essa frigideira equilibra melhor a temperatura e evita o desastre quase inevitável de desmanchar os ovos na transferência de uma frigideira convencional para o prato. A propósito dessas frigideiras de barro: nada melhor para um bom bife.

Uso uma boa quantidade de gordura, já verão porquê. Normalmente, margarina dietética. Atenção a coisa muito importante: falo da margarina dietética, rica em poli-insaturados, que vem marcada como para uso culinário. A outra, para barrar o pão, nunca deve ser levada à fervura! Cubro o fundo com fatias de bacon e abro por cima dois ovos. Sal na gema, pimenta preta na clara. Lume baixo e paciência, colhendo constantemente com uma colher, por debaixo do bacon, a gordura do fundo e derramando-a sobre a clara dos ovos, nunca sobre a gema. No fim, fica tudo bem ligado, o bacon não demasiadamente frito, a clara não líquida, a gema sim.

3. Ovos estrelados especiais. Se a nota anterior era dieteticamente incorrecta, esta agora ultrapassa tudo. Quando vou a S. Miguel, tem de haver sempre na maleta espaço disponível para a linguiça e a morcela de regresso. Coisa excelente! Mas agora começa a porcaria... Cortadas ambas em rodelas grossas, a fritura – coisa de grande técnica, mas fica para nota posterior. Em quê? Forçosamente, banha. Depois o melhor acompanhamento, para além dos inhames ou, condescendo, batatas fritas: ovo estrelado. Porquê especial? Porque é frito na banha em que fritei a linguiça e a morcela. Como dizia a minha avó lambareira e sujeita a dieta muito rigorosa: "um dia não são dias". O mal é que ela dizia isto todos os dias.

Com isto, lembrei-me de uma coisa. Vou escrever alguns apontamentos sobre coisas "politicamente incorrectas" em cozinha, mas muito boas.

Nota à margem - Imaginam quantas receitas de ovos Escoffier incluíu no seu clássico "Le Guide Culinaire"? 263!

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