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maio 28, 2006

Compota de malagueta

Há uma semana, falei da malagueta açoriana. O meu irmão D. rivaliza comigo em gastronomia e em boa cozinha. Em certos aspectos, ultrapassa-me. Já não vou tendo muita disponibilidade para, como ele, passar dois dias na cozinha para uma esmerada confecção, sempre seguindo a melhor técnica. Ainda só não lhe deu para escrever um livro, como eu.

Há tempos, inventou e ofereceu-me uma coisa estranha, uma compota de malagueta. Excelente. O meu filho adoptou-a como ingrediente indispensável para barrar os bolos lêvedos das Furnas. Também vai bem com pão de caco ou com um simples pão de leite do continente. Estou é proibido de fornecer a receita. Se algum amigo comum me meter uma cunha talvez ele se comova.

Estamos habitualmente limitados às compotas de fruta. Ocasionalmente, podemos juntar compota de abóbora ou de tomate, mas é tudo. Ora aqui se vê que há larga margem para a imaginação, a exemplo da variedade dos chutneys indianos. Deixo algumas sugestões, de ingredientes de sabor forte: pimentão verde ou vermelho, pepino, aipo, talvez até mesmo ervas, como coentros ou hortelã. Experimentem. Eu também vou.

maio 21, 2006

Malagueta e açaflor

É banal termos provado um bom prato exótico, querermos fazê-lo em casa e não encontrarmos ingredientes essenciais. Mas, afinal, este exotismo também se aplica a cozinhas bem próximas, como as açorianas. Aproveitando o que escrevi no meu livro, vou escrever alguma coisa sobre dois condimentos essenciais nos Açores, a mlagueta ou pimenta, "tout court" porque a outra se chama pimenta do reino, e a açaflor.

A malagueta é usada em todas as ilhas, mas mais abundantemente em S. Miguel. Especulo que isto esteja provavelmente relacionado com a navegação africana, com passagem obrigatória nos Açores na volta da Guiné, sabendo-se que a malagueta açoriana é uma variante muito próxima de uma pimenta vermelha das costas da Guiné e do Benim.

A malagueta açoriana não tem equivalente. Hoje vejo com frequência nos supermercados malaguetas vermelhas, grandes, com cerca de 10 cm, produzidas em Portugal. São uma razoável aproximação da malagueta açoriana, embora muito mais picantes e com menos sabor. Se as encontrarem cá, abram-nas ao meio, retirem completamente as pevides que são muito picantes, deixem em bastante sal durante duas semanas no frigorífico, a macerar e moam no mixer. Usem esta massa em muito menor quantidade do que indico nas minhas receitas para a malagueta açoriana porque, como disse, é muito mais picante, mesmo sem as pevides. Com parecença distante com a malagueta, mas mesmo assim a menos afastada por parte de todas as “pimentas” que conheço, sugiro a pimenta da Caiena, que se encontra facilmente entre nós, em pó, usada em dose que resulte num picante marcado mas não excessivamente forte.

Uma outra especiaria essencial na cozinha micaelense, e também das outras ilhas, é a açaflor, a que o povo da minha ilha também chama açafroa. São os estames do açafrão, típicos da cozinha meridional espanhola, de que também temos exemplos certos de colonização. Hoje é uma preciosidade de alto valor, o que justifica o preço das “paellas” valencianas genuínas. Se quiserem ser rigorosos com a cozinha açoriana, abram a bolsa. Se não, podem usar, mas com moderação porque é um tempero muito forte, o açafrão indiano, um pó amarelo obtido das sementes. Mas não se compara!

maio 14, 2006

Peixe cozido


Uma regra básica da cozinha de peixe, num pais como o nosso em que os turistas vão preferencialmente pelo peixe, é saber como cozinhar cada peixe. Hoje todos vão nos grelhados, com coisas horrorosas como grelhar peixes de pouca espessura como o linguado e o espada branco, ou secos como o cherne e o espadarte, ou de sabor muito delicado, como o salmonete e a garoupinha.

Com isto, tem-se esquecido a nossa excelente panóplia tradicional de peixes fritos, cozidos ou assados. Ontem, ao cortar o cabelo, conversei sobre isto com a cabeleireira, luso-brasileira, que entretanto ensinava um colega brasileiro a assar um pargo à portuguesa, cebola, alho, tomate, salsa, batatas aos cubos, vinho branco, tudo regado com azeite. Ele desconhecia tal coisa, mas ela disse-me que bem se lembrava de a mãe portuguesa o fazer, no Brasil.

Hoje, vou falar de peixe cozido. Entre nós, é essencialmente a pescada. Nos Açores, a abrótea, localmente muito melhor do que a que aqui se vende. Em todo o caso, experimentem. Um bom peixe cozido é sempre um prato simples excelente e dietético. Mas tratamo-lo mal. Ferve-se à desmesura, perdendo todo o sabor e emborrachando o peixe.

Nenhum peixe cozido deve ser, de facto, cozido, mas sim escaldado. A água ferve, junta-se o peixe, deixa-se levar novamente à fervura e apaga-se o lume, com a panela tapada. Ao fim de cinco minutos está pronto.

Mas água? Claro que não só. O melhor é escaldar o peixe num "court bouillon", um caldo de legumes variados, a gosto (obrigatoriamente cebola espetada com cravinhos, alho pisado grosso e com casca, cenoura, louro e salsa) com o que tenham no frigorífico e ervas a gosto.

maio 07, 2006

Conventual

No Expresso de há uma semana, a crónica de José Quitério versava o velho Conventual. Diz-me muito. Há muitos anos, partilhando com a minha mulher, no nosso início de vida, o gosto de bem comer mas também as posses magras, tínhamos um hábito: uma vez por ano, o Tavares ou o Aviz, de dois em dois meses, o Conventual, que era para nós o compromisso de uma grande cozinha aceitável com um orçamento reduzido. Há muito tempo que lá não vou, perdido por outras experiências, talvez não tanto gratificantes.
"Se os registos estão em ordem, foi em Junho de 1981 que, no nº 45 da Praça das Flores, abriu as portas o Restaurante CONVENTUAL. A fundação coube a Jorge Vale, ex-actor de teatro convertido à cozinha e à restauração (falecido há poucos anos), que antes, sozinho ou em sociedade, já inaugurara a Casa de Pasto Flor da Castilho, a Casa da Comida e o Xêlé Bananas. Conjugando a beleza da instalação com a originalidade da carta e o nível da cozinha, logo atraiu um coro antifonário de ámenes e hossanas. Em 1983,Jorge convidou Maria Leopoldina Marques para a gerência, e seria esta senhora, mais conhecida por D. Dina, que haveria de se tornar a única proprietária, gerente e responsável pela imagem culinária da casa. Tal como hoje."
Todos os velhos clientes se lembram da D. Dina, que nos recebia à porta, sugeria um aperitivo no bar e logo discutia a escolha da refeição, que se aguardava tranquilamente com um Madeira. Dito isto, vou transcrever da crónica de José Quitério a ementa actual porque, sem a conhecer, me parece segura para quem não quiser arriscar. É clássica e, se a cozinha continuar com a qualidade que conheci, promete:
FRESCOS E SALADAS: salmão fumado (€I6), coxa de rã Convento de Estremoz (€I6), espargos com molho de vilão (€13), salada Frei Hortelão (€7), salada de camarão com molho de queijo (€14), espadarte fumado (€16), carapaus de escabeche (€7,50), caracóis Papa de Avignon (€I6), angulas Cruzados de Compostela (€31), pâté caseiro (€6,50), abacate com camarão (€13), concha de marisco gratinada, (€13) e ostras frescas (€10).
OVOS: claustrais D. Branca de Lorvão (€7,50), ovos mexidos com espargos (€7), ovos à portuguesa (€7,50) e omoleta de gambas (€9).
SOPAS: gaspacho (€3,75), creme de legumes (€3,25), monja do Convento de Bedo com molho de mariscos (€20), creme de coentros (€3,75) e creme de camarão (€4,25).
MARISCOS: amêijoas à Capelão de Sines (€18,50), cocktail de gambas (€I6) e gambas fritas com alho (€I6).
PEIXES: gambas em caril (€I6), arroz de marisco à Cabo de São Vicente (€33h p.), bacalhau de coentrada (€15), tamboril com alho francês (€21), tarte de bacalhau (€14,50), bacalhau com natas(€14).
CARNES: perdiz estufada (€26), empada de faisão e perdiz (€23), pato com champanhe e pimenta rosa (€20), coelho frito à Abade de Montemor (€15), lombo de porco Cura de Alpedrinha (€13), migas com entrecosto (€14), bife à antiga (€18), bife Cura de Cebolais (€18), bife duas pimentas (€18), bifinhos de vitela com mostarda> (€17), bife com salada de legumes (€15,50) e ensopado de borrego São José de Peramanca (€15).
AUTOS-DE-FÉ (terrífica denominação, capaz de provocar nostalgias a certos antístites, aqui aplicada ao santo ofício dos grelhados): linguado (€17,50), camarão com molho 1498 (€28,50), costeleta de novilho (€16,50), bife à Padre Piedade (€17), garoupa ou cherne (€20), costeletas de borrego com molho de hortelã (€15).
Tenho de voltar ao Conventual, com o respeito com que visitamos os monumentos da nossa juventude. Hoje, também já tenho meios de poder voltar ao meu mítico Tavares, o tal de ida anual, em aniversário de casamento, bem enfarpelados os dois, que o dia era de festa. Dizem-me que já é só isto, um mito. Que pena!