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fevereiro 12, 2006

Uma cozinha bem fornecida

Não recordo nenhuma receita minha que use condimentos que não sejam obrigatórios numa boa cozinha. A minha lista inclui: pimenta preta e branca, separadas (no dia a dia, uso no meu moinho de pimenta metade de grãos de pimenta preta e metade de pimenta branca), pimenta da Jamaica, cominhos, cravinho, noz moscada, canela, gengibre, açafrão, erva doce, massa de pimentão, chili, piripiri, molhos de soja e Worcestershire (molho inglês) e polpa de tomate (mas só para certos usos, não para substituir por rotina o tomate fresco).

Também duas coisas essenciais para a cozinha açoriana, malagueta e açaflor. Hei-de falar sdobre elas, porque podem ser subsituídas, embora com grande perda de qualidade. Mas quem não tem cão caça com gato!

Outras coisas que tenho sempre no frigorífico e de que faço bom uso na minha cozinha, são bacon, natas e cogumelos. Felizmente, quanto a estes, já não tenho de me contentar com os vulgares champinhões ou cogumelos de Paris. Claro que os substituo por míscaros, chanterelas, cilarcas ou lactárias, que normalmente só arranjo quando vou ao Alentejo. Mas hoje, para quem só tem acesso aos supermercados, lá têm os pleurotos ou os “shitake” japoneses, que não ficam nada mal.

O mesmo quanto a ervas. Tenho no jardim uma pequena secção de ervas aromáticas variadas. Nem toda a gente pode ter isto. Pelo menos, deve-se ter sempre no frigorífico as três essenciais, frescas: salsa, coentros e hortelã, além do louro e dos orégãos, que se conservam fora do frigorífico por longo tempo. Na falta de ervas frescas, usem ao menos as ervas secas e picadas que se vendem em qualquer supermercado, incluindo obrigatoriamente tomilho, estragão, cerefólio, manjericão e cebolinho. Não confundir o manjericão (ou basílico), a erva mais emblemática da cozinha italiana, com a manjerona, que é próxima dos nossos orégãos. A salva é um excelente tempero, mas talvez mais difícil de obter. Outras ervas que uso com frequência são o alecrim (por exemplo, com caça) e a segurelha, muito usada na Madeira mas difícil de encontrar cá. Há também nos supermercados uma mistura chamada de ervas da Provença que pode ser utilizada em lugar da mistura de outras ervas ou do chamado ramo de cheiros (“bouquet garni”). Obviamente que todas estas sugestões são para a cozinha simplificada “à la minute”, não para uma refeição de qualidade.

Também uma nota sobre qualidade dos ingredientes. Nos restaurantes, normalmente sou exigente, em termos de “value for money”. Mas não sugiro purismos, principalmente para a cozinha de todos os dias. Se não puderem ir todos os dias comprar frescos, não há grande mal em usar congelados (claro que não num dia de festa). Mas aconselho que usem só de muito boa qualidade pelo menos três produtos: o azeite, da menor acidez possível mas também sem ficar insípido (excepto para a fritura banal), o vinagre, genuinamente de vinho (prefiro o vinagre de tinto) e o vinho, branco ou tinto. É certo que os vinhos estão caros e não pretendo que faça um “coq au vin” com um Barca Velha, mas usar na cozinha um vinho intragável ao beber pode arruinar qualquer prato. E, quanto ao vinagre, para alguns usos, experimente o balsâmico.

Há ainda o caso actual do sal. Qualquer livro de receitas “à la page” indica obrigatoriamente a flor de sal. Se puser na língua uma pitada de sal vulgar e de flor de sal, claro que noto a diferença. Mas ninguém come sal, só por si. No fim do prato, desafio qualquer pessoa a provar duas versões, com um e outro sal e identificar a diferença. Tudo o que é pernóstico me irrita solenemente, com riscos de stress para a minha saúde e, por isto, em todas as receitas, continuo a referir pura e simplesmente sal. Mas admito que abro excepções para a flor de sal: algumas entradas frias, algumas saladas muito suaves, alguns molhos. Mas ainda estou à espera de ver um livro de “bom” cozinheiro com posta à mirandesa ou alcatra à terceirense com flor de sal. Apostam?

Mas é indispensável ainda uma nota sobre o sal. Por profilaxia ou pelo alastramento da hipertensão, muitas e muitas pessoas se habituaram a reduzir drasticamente o sal na sua alimentação. Falo por conhecimento de causa e isto tem grandes consequências na cozinha. Uma pessoa pode tolerar mais ou menos pimenta, mais ou menos ervas. Mas, quando se entra no sal, é como os ex-fumadores, que não toleram o cheiro do tabaco. Para mim, após anos de moderação, sal a mais torna-me um prato intragável. Aconselho um uso muito moderado do sal. No dia a dia, siga os hábitos da família mas, num jantar de amigos, nivele pelo mínimo. Para quem gosta de mais salgado, há o saleiro na mesa.

Nota à margem – andam a vender-nos gato por lebre. No Fugas de ontem do Público, vem uma receita de Hélio Loureiro de santola recheada que até me parece bem. O problema é que, nos ingredientes, vem claramente indicada a marca do vinagre a usar. Isto é, desonestamente, publicidade encapotada. Mas creio que não é caso único de mistura de negócio publicitário e de crónica gastronómica. Há um ano ou dois, Michel publicou um livro em que, para cada receita, indicava a marca de vinho e o ano a usar para a confecção de cada prato!

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