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outubro 02, 2005

Cozinha pernóstica

No meu livro recém-publicado, dou algumas bicadas a uma certa cozinha de luxo que por aí anda. Hoje, vejo no jornal uma pequena lista das receitas do seu restaurante do Hotel Albatroz agora publicadas por Ljubomir Stanisic ("Cascais, 100 maneiras", edição de luxo, 75 euros, para fazer vista; o meu custa 17 euros).

Lá vêm estes mimos:

"Creme de feijão branco com caviar avruga [JVC: vá lá, ao menos não é beluga!] tomates marinados e salada de ervas com toucinho tostado". Fico a pensar que tudo isto deve ser para que o cliente menos apaladado não perceba que o caviar é dinamarquês.

"Corvina assada com arroz de chouriço de sangue e espargos salteados". Já agora, porque não a corvina assada com sarrabulho de trufas sobre fatias de foie gras?

Entre as sobremesas, "ravioli de chocolate"!

Estão a gozar com o pagode e, por isto, para esvaziar a carteira, só vou hoje a um ou dois restaurantes.

Lembrei-me agora de Luís Sttau Monteiro. Não sei se sabem que era também um bom cozinheiro amador, de quem tenho algumas excelentes receitas. Nas suas inesquecíveis redacções da Guidinha, na Mosca do Diário de Lisboa, corroía a pequena burguesia ascendente do marcelismo, do Toyota com um cão que abanava a cabeça e com umas almofadas bordadas pela sogra. Só têm rival hoje nas crónicas de centro comercial do António Lobo Antunes, com elegância de ténis e fato de treino roxo fosforescente (lembrei-me agora de ti, Pedro A.). Já então, a Guidinha falava muito do prato de cerimónia que se servia sempre na sua casa, jaquinzinhos com natas!

Os "pacóvios" gastronómicos de hoje já não são esses. São os que fazem bons almoços de "trabalho" nos restaurantes da moda, pagando com o cartão de crédito da direcção geral ou da empresa pública.

Haja bom gosto e boas maneiras, coisas muito boas e, a meu ver, não obrigatoriamente anti-democráticas.